por Fábio Guedes Gomes
Visitar outros países em um contexto em que o Brasil passa por sérios problemas políticos, econômicos e sociais é uma oportunidade para se avaliar onde erramos, qual destino nos espera, se tudo está de fato perdido, se temos condições e recursos para buscarmos o tipo ideal de Nação, onde a justiça social prevaleça e que na base da sociedade as diferenças sejam apenas sentidas nas escolhas que cada indivíduo faça na busca das inúmeras possibilidades de erguimento de sua personalidade, acúmulo de conhecimentos e na reunião de competências profissionais.
O Brasil, poucas vezes em sua história, conseguiu definir, com muita clareza, o seu futuro, elegendo os principais problemas a serem combatidos com a sociedade convencida de que, para superar determinados impasses estruturais, seria preciso a união de forças sociais capazes de se sobreporem aos interesses corporativos, privados específicos e políticos minoritários.
No início deste mês, mais uma vez, tive a oportunidade de conhecer uma realidade muito distinta da nossa, mas com experiências fantásticas, que nos servem de referência em muitos sentidos. Participei de uma Missão Técnica em Israel, organizada pelo Sebrae/Alagoas e a Câmara de Comércio Brasil-Israel. A Missão contou com 16 pessoas que representavam, além do Sebrae/AL, a Federação das Indústrias de Alagoas (FIEA), a Federação da Agricultura e Pecuária de Alagoas (FAEAL), a Associação de Criadores de Alagoas, a Associação de Criadores de Maceió, a Cooperativa Pindorama, o Instituto Federal de Alagoas (IFAL), as Secretarias de Estado da Agricultura, Pesca, Pecuária e Aquicultura (SEAGRI) e Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), o Instituto de Inovação para o Desenvolvimento Rural Sustentável de Alagoas (EMATER), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e a Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL).
Em aproximadamente 1500 km percorridos, de Leste a Oeste e de Norte a Sul do pequeno país de 20.777 km², menor que o estado de Sergipe, constatamos um gigantesco projeto de nação. No comprimento, Israel se estende por cerca de 490 km. Em largura, chega próximo dos 140 km. Rodando pelas estradas, quase todos os dias, realizamos 14 visitas técnicas que se distribuíram por atividades e conferência de experiências nos ramos da agricultura, pecuária e gestão de recursos hídricos.
É claro que cada membro da Missão pode fazer sua leitura particular do que encontrou em Israel, mas todos se impressionaram com o que testemunharam. Individualmente, a formação, a carga de cultura, o conhecimento específico e outras experiências, tanto constatada no próprio Brasil, de porte continental, como em outros países, ajudaram a produzir diferentes percepções e considerações.
Numa visão geral, está muito claro que o povo israelense tem um propósito maior: a unidade nacional. Eles têm consciência objetiva da grandeza do projeto de continuidade da formação do Estado de Israel, criado em 1948, seus principais desafios, obstáculos e potenciais. Na minha concepção, seis aspectos dominam as preocupações dos israelenses: a ocupação e o assentamento territorial; o uso, a gestão e o aproveitamento dos recursos hídricos; a produção de alimentos; a geração de energia; e a segurança nacional.
Desses seis aspectos, percebeu-se que, na parte setentrional, o país é praticamente todo ocupado com centros urbanos e vastas culturas agrícolas. Na parte mais ao Sul, as regiões desérticas predominam, mas as experiências de produção agrícola por meio da irrigação e a formação dos famosos kibbutz [1] permitem o assentamento territorial em áreas tidas como estratégicas, além da existência de bases militares.
Esse processo de ocupação foi relatado pelo economista e criador da Sudene, Celso Furtado, em sua autobiografia, A Fantasia Desfeita (Paz e Terra, 1997), quando relata sua experiência de visitar Israel dez anos depois de sua criação, no instante que procurava conhecer outras experiências que colaborassem com os desafios do desenvolvimento nordestino nos primórdios da fundação da Sudene [2].
“O que mais me chamava atenção era a diversidade de experiências visando amalgamar populações de origens diferentes. Visitei um plano de colonização na região Sul, onde eram instituídas comunidades de cinquenta a oitenta famílias, quase sempre da mesma origem cultural, mas sem que houvesse atividades comuns, exceto religiosas. Cinco ou seis dessas comunidades integravam-se em um centro: cidade com serviços coletivos, o que permitia a profissionais (médicos, agrônomos, professores etc.) criar um ambiente de convívio, e, ao mesmo tempo, permanecer na zona rural. Tudo estava orientado para ruralizar parte da população, romper com a afinidade, mais que etimológica, de civilização com a cidade. A pequena comunidade homogênea culturalmente serve para soldar o homem à terra” [p.148].
Desde a época que Furtado visitou Israel pela primeira vez ao que vimos recentemente, percebe-se que esse plano de colonização parece ter surtido seus efeitos, porque são inúmeras as localidades com habitações e cidades muito próximas umas das outras.
Continuando nossa viagem por regiões desérticas e muitos trechos montanhosos, observamos, também, a preocupação com a segurança nacional, por meio da vigilância do espaço aéreo, com vários caças israelenses sobrevoando nossas cabeças. Chegamos a ver alguns deles levantando voo numa velocidade e inclinação surpreendentes.
Do ponto de vista energético, Israel abastece a população civil com energia solar e a produção das termelétricas destina-se em maior quantidade para atividades produtivas. A descoberta de uma grande jazida de gás natural no Mar do Mediterrâneo permitiu a diversificação da matriz energética do país e a superação dos limites nessa área.
Mas, um dos aspectos que mais nos despertou atenção é a experiência dos israelenses no uso, na gestão e no aproveitamento dos recursos hídricos. A combinação entre desenvolvimento científico, criação de tecnologias e largo uso de instrumentos de planejamento permite, especialmente, garantir a produção agrícola, pecuária e o abastecimento das populações no país em condições naturais tão hostis.
Certamente, a questão da água em Israel é um assunto de segurança e estratégia nacional. No pais chove muito pouco. As precipitações pluviométricas anuais são de 720 mm ao Norte, 550 mm no Centro e 50 mm no Sul. É conveniente apontar que não existe o instituto da propriedade privada da terra em Israel; todo o território é propriedade pública, do Estado, e seu uso e sua exploração, por exemplo, para atividades econômicas, devem ser mediante um contrato de concessão permitido pelo Estado com tempo determinado e todas as informações disponíveis do que vai ser produzido, como e quanto de água será utilizada.
Portanto, a distribuição dos recursos hídricos requer um rígido e eficiente controle de como a sociedade consome a água e explora os mananciais e suas fontes. A Lei da Medição das Águas (1955) institui que toda água fornecida/consumida deve ser medida e a Lei da Água (1959) estabelece que todas as formas dos recursos hídricos pertencem ao público, por essa razão deve estar sob a gestão do Estado.
O consumo total de água em Israel, atualmente, encontra-se em 2 bilhões de m³. Aproximadamente 75% de seu fornecimento é realizado pela Companhia Nacional de Águas, a Mekorot, criada em 1941. O restante da distribuição fica sob responsabilidade das autoridades municipais. A agricultura consome 54% do total da água disponibilizada; a indústria, 6,5%; e as residências, 40%.
A atual política de gestão dos recursos hídricos aponta para duas direções: a diversificação dos próprios recursos e o aumento da eficiência do processo de exploração, distribuição e consumo. Para alcançá-los, as principais ações são: reutilização da água de esgoto tratada; recarga artificial de aquíferos, perfuração de poços com mais de 1.500 metros; instalação e uso de usinas de dessalinização (água do mar e salobra); adoção de tecnologias inovadoras de gerenciamento do sistema; novas ferramentas de gestão; e reeducação dos consumidores.
Com essa política, o objetivo maior é diminuir o consumo geral de água potável, por exemplo, na agricultura, e aumentar a participação do consumo de água dessalinizada (consumo das famílias) e de esgoto tratado. Mais de 90% do esgoto produzido em Israel é reutilizado. A produção agrícola já consome cerca de 500 milhões de m³ de água de reuso por ano e o setor industrial vem aumentando seu consumo de água de reuso.
No campo da dessalinização, a estatal Mekorot, por exemplo, atua no tratamento de efluentes secundários, água salobra, água do mar e água de superfície. Para isso, conta com mais de 40 usinas de dessalinização espalhadas pela costa do Mar do Mediterrâneo e na parte oriental, divisa com a Jordânia, na parte Centro-Sul.
Visitamos uma empresa especializada em equipamentos de dessalinização, a ODIS Filtering – Mobile Equipaments for Water Treatment, com boa presença no Nordeste brasileiro, especialmente atendendo a encomendas governamentais no Ceará. O que nos chamou atenção é o domínio da tecnologia na fabricação de estações de dessalinização móveis, de variadas escalas. Ao conferir esses equipamentos, uma pergunta não me saía da cabeça: “Por que um país tão pequeno como Israel se preocuparia em desenvolver tecnologias de dessalinização móvel em larga escala, quando a construção de usinas próximas às fontes de água salgada e salobra já é de responsabilidade da estatal Mekorot?”. Claro que esses equipamentos atendem a uma variada gama de países com problemas de abastecimento de água, especialmente dos continentes africanos e asiáticos, e demandam tecnologias atendidas pela via do comércio exterior, mas outra razão, talvez a mais importante, decorre do avanço em P&D em dessalinizadores móveis para uso militar.
Alguém já imaginou o deslocamento de milhares de soldados para locais desérticos, próximos apenas de fontes de água salgada ou salobra, tendo que alimentá-los, matar a sede e tratar ferimentos? Certamente, por hipótese, a experiência tecnológica israelense em dessalinização não somente deve-se à necessidade de diversificação das fontes de distribuição de água, mas também à vital importância desse processo para uso bélico-militar.
Na diversificação do processo de distribuição dos recursos hídricos, as metas colocadas pela empresa estatal Mekorot são ousadas. Entretanto, a experiência de mais de cinquenta anos manejando esses recursos e com o manancial tecnológico que os israelenses já possuem, certamente, elas serão alcançadas. No planejamento, até 2020, o uso da água potável passará de 71% para 50%; o uso da água de esgoto tratada, de 15% para 20%; a dessalinização de água do mar, de 5% para 22%; a dessalinização de água salobra, de 1% para 3%; e o uso de água salobra de 8% para 5%.
O eficiente processo de gestão dos recursos hídricos em todo o território, aliado ao preciso sistema de irrigação, permite o crescimento extraordinário da produção agrícola do país, sem aumentar o uso de água. Graças ao sistema de irrigação por gotejamento, Israel consegue economizar recursos hídricos de uma maneira espetacular. A partir de 1980, a produção agrícola do país cresceu, vertiginosamente, em razão do desenvolvimento e da introdução de novas tecnologias. O fator tecnologia foi mais importante para alcançar valor agregado na produção agrícola que a produtividade do fator humano e a disponibilidade de capital. Nesse aspecto, incluem-se os avanços nos sistemas de irrigação.
Visitamos duas empresas especializadas na produção de equipamentos e sistemas de irrigação: NaanDanJain e a Netafim Drip Irrigation. Impressiona quanto de conhecimento científico e tecnológico existe por trás dos sistemas de irrigação por gotejamento. Desde a produção de canos e tubos aos pulverizadores, microcircuitos de circulação da água e gotejamento, sensores de umidade, salinidade, entre outros, aos sistemas eletrônicos de controle e medição, os quais permitem acompanhar e gerenciar complexos processos de irrigação, por meio de aplicativos, por exemplo.
De Norte a Sul, em meio a regiões desérticas e montanhosas, Israel transporta água por meio de dutos e tubulações, em cores diferenciadas, para distinguir o tipo de água – se é de reuso ou potável, por exemplo –, atendendo ao consumo humano, à produção agrícola e a áreas e canteiros de seus milhares de jardins levantados artificialmente, onde o deserto jamais possibilitaria, devido a suas condições naturais.
Que lições podemos tirar dessa Missão e que aproveitamento pode-se fazer a partir dessa experiência, com implicações concretas para Alagoas?
No campo do fomento à ciência, tecnologia e inovação, são grandes as possibilidades de se firmar uma cooperação internacional de intercâmbio de técnicos e pesquisadores com duas instituições visitadas, por exemplo: International Cooperation Centre for Agricultural Development (CINADCO) e o Agricultural Research Organization (ARO) – Institute Volcani, instituições ligadas ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Israel.
No que compete à participação da Fapeal, estabelecer vínculos com essas duas instituições é fundamental para internalizar no Estado conhecimento técnico e cientifico, por meio de parcerias em pesquisas de nossas universidades e seus pesquisadores, bem como incluir os técnicos mais qualificados de Alagoas nesse intercâmbio e em projetos que abordem temas de interesse comum aos dois países, especialmente para os municípios alagoanos.
Mas, evidente, que nós podemos, também, pode usufruir do conhecimento e da ciência dos israelenses nos planos da assistência técnica agrícola e na genética de grãos, de animais e seu manejo, perfurações de poços, tratamento de esgotos, dessalinização e gestão de recursos hídricos e de bacias.
NOTAS
[1] Experiência de organização social, de inspiração comunista, onde a riqueza criada e a renda gerada é coletiva onde o príncípio de ordenação é: a cada um de acordo com suas necessidades e os meios disponíveis. Segunda uma das guias que nos acompanhou por Jerusalém, os Kibbutz mais ricos de Israel são aqueles que preservaram os ideias comunitários e em que todos trabalham intensivamente, criam seus filhos em um sistema de educação de alta qualidade. O sistema político interno é de autoorganização em que as principais decisões sobre os rumos econômicos do Kibbutz e a vida social são tomadas em assembléias.
[2] Agradeço a Rosa Freire D’Aguiar Furtado, membro do Conselho Deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, que ao acompanhar minhas postagens pelas redes sociais sobre as nossas visitas em Israel, lembrou da participação de Furtado na construção de uma agenda de trabalho com os israelenses na oportunidade da criação da SUDENE. Essa agenda foi responsável por produzir uma boa quantidade de trabalhos e relatórios técnicos de grande valia para o desenvolvimento do Nordeste.