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Fapeal em Revista apresenta: Gastroenterologia avança em Alagoas

Pesquisadora Luciana Corá, da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, trabalha no desenvolvimento da técnica BAC para futura aplicação em estudos clínicos

Keren Lima – jornalista colaboradora

A professora Luciana Corá coordena o Laboratório de Biomagnetismo e Gastroenterologia da Uncisal (Foto – Tárcila Cabral)

Motilidade gastrintestinal, você já ouviu falar? É a forma como a musculatura do estômago e intestinos trabalha para transportar, ao longo do tubo digestivo, os alimentos que são ingeridos. Falando assim até parece complicado, mas é algo que todas as pessoas fazem diariamente, de forma inconsciente. Apesar de ser um processo natural, às vezes esse transporte não ocorre da maneira correta, o que pode gerar problemas: se for muito rápido o corpo não absorve nutrientes suficientes dos alimentos; se for muito lento pode gerar o que é popularmente conhecido como intestino preguiçoso.

Para desvendar esses e outros distúrbios do funcionamento do trato gastrintestinal é imprescindível que se conheça mais do universo por meio do desenvolvimento de pesquisas e técnicas. Em Alagoas, o Laboratório de Biomagnetismo e Gastroenterologia (BiomaG) da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), coordenado pela professora Luciana Corá, é o responsável por desvendar esses mistérios.

O BiomaG possui duas linhas de pesquisa: uma sobre a biotecnologia em saúde, relativa ao desenvolvimento da técnica da Biosusceptometria de Corrente Alternada (BAC) para estudos da motilidade gastrintestinal; e outra voltada para a investigação clínica, onde essa técnica será utilizada para se avaliar diferentes parâmetros da motilidade gastrintestinal em pacientes diabéticos e obesos, crianças com Síndrome de Down, além de uma verificação dos efeitos da idade na motilidade.

Na linha de pesquisa relacionada à biotecnologia, os trabalhos são desenvolvidos em parceria com o Laboratório de Biomagnetismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu) para o aperfeiçoamento da técnica para futuras aplicações clínicas. “O laboratório em Botucatu é responsável por fornecer os sensores e, com o uso frequente deles, podemos identificar quais são as dificuldades, as necessidades e eles são responsáveis pelo aprimoramento”, contou.

As pesquisas na área clínica pretendem investigar possíveis alterações na motilidade e no trânsito gastrintestinal que estejam relacionadas à obesidade e a diabetes. Segundo a pesquisadora, o indivíduo com obesidade mórbida, por exemplo, tem dificuldade na absorção de certos nutrientes, o que pode estar relacionado com alterações nessa função e, também, na própria flora do trato gastrintestinal.

“Nosso objetivo é avaliar o indivíduo depois que ele é submetido à bariátrica, se a cirurgia em si também é um fator contribui para alterar a motilidade, se é possível que isso ocorra e se este fator diretamente envolvido na recuperação desse paciente. Este paciente, submetido à cirurgia, perde peso porque o estômago está reduzido e ele ingere menos alimentos. Além disso, ocorrem mudanças no metabolismo e a relação entre essas mudanças e a forma como o alimento é transportado após a intervenção é o que pretendemos estudar. E com relação ao diabetes, é sabido que esta doença interfere diretamente no esvaziamento gástrico, tornando-o mais lento. Quando isso ocorre, há uma série de implicações”, explicou Luciana Corá.

Ampliação do campo de estudos

Além dessas pesquisas citadas anteriormente, existe ainda um estudo com idosos saudáveis com a intenção de identificar os efeitos que a idade desempenha na motilidade e outro que pretende avaliar diferentes aspectos da motilidade gastrintestinal em crianças, sobretudo naquelas que tenham Síndrome de Down.

Equipamento que auxilia na pesquisa foi adquirido por meio de recursos obtidos com edital da Fapeal (Foto – Tarcila Cabral)

“A motilidade nesta faixa etária carece de estudos para definir os valores normais, uma vez que as técnicas vigentes são invasivas, usam radiação ionizante ou possuem alto custo. Criança é uma população muito restrita e afetada por uma série de distúrbios na motilidade, especialmente aquelas com Síndrome de Down. Nossa proposta é mostrar que essa técnica também tem uma aplicabilidade importante e nesse grupo bastante seleto que são as crianças”, declarou a professora.

Como alternativa a essas técnicas é que surge o uso da BAC.

“Ela consiste no uso de sensores magnéticos, não invasivos, que geram um campo magnético para excitar e detectar a resposta de um material que responde ao campo aplicado externamente (abdome). Esse material, chamado de ferrita, é ingerido pelo paciente na forma de comprimidos ou misturado a um alimento-teste (iogurte). Os sensores são posicionados na região que será avaliada (estômago ou intestinos) e a resposta consiste em sinais detectados continuamente e, após o processamento, são obtidas imagens para caracterizar a passagem do marcador (ferrita) ao longo dos segmentos do trato gastrintestinal. Esses sinais também fornecem informações sobre a motilidade, uma vez que a frequência e a amplitude das contrações também podem ser quantificadas”, explicou Luciana Corá.

BAC em pacientes é abordagem inédita

As pesquisas desenvolvidas no BiomaG são inéditas por possibilitarem a aplicação dessa técnica em estudos clínicos com pacientes. Tais estudos foram iniciados em Alagoas com o objetivo de avaliar o efeito de medicamentos em pacientes transplantados. “Com a técnica BAC, essa é uma abordagem inédita. Nós temos estudos em modelos com animais, em indivíduos saudáveis, mas em pacientes, os estudos devem ser ampliados para futuras aplicações clínicas da técnica”, diz a pesquisadora.

Além disso, os métodos biomagnéticos, mais precisamente o uso da BAC, se destacam como uma alternativa para o estudo das propriedades do trato gastrintestinal por três motivos, como destacou Luciana Corá:

“Primeiramente, o custo, que é reduzido, comparando-se com qualquer outro método vigente na clínica; segundo, ela não é invasiva, assim como a cintilografia não é invasiva, pois não usa radiação, como a cintilografia, por exemplo. E em terceiro, o fato de ela ser facilmente manipulada, ou seja, é uma técnica que necessita de um treinamento muito simples para sua utilização.”

O despertar para a ciência

Sempre fascinada pelo universo da ciência, Luciana Corá almejava um dia se tornar cientista. Tinha interesse em descobrir como funcionava o corpo humano e, além disso, como curá-lo quando atingido por alguma doença. Quando chegou o momento para escolher uma área de formação, não teve dúvidas: optou pela da saúde.

Sua saga pelo universo científico começou em 1998, quando iniciou sua graduação em Ciências Biomédicas em Botucatu e, quatro anos depois, ingressou no Mestrado em Ciências Biológicas. No ano seguinte aprimorou conhecimentos na área de tecnologia farmacêutica, por meio de estágios na indústria, com o objetivo de propor a técnica de Biosusceptometria (BAC) como uma ferramenta alternativa para o estudo de processos farmacêuticos.

Unir os conhecimentos e técnicas aprendidos nos estágios ao trabalho no laboratório deu bons resultados: “Foi o ano mais produtivo da minha carreira: abordagens inéditas que renderam papers nas revistas mais importantes da área e o primeiro convite para escrever um artigo de revisão. Artigo este que foi publicado na Advanced Drug Delivery Reviews, a mais proeminente revista da área farmacêutica”, recordou a pesquisadora.

A chegada em Alagoas, a criação do Laboratório e os desafios de se fazer pesquisa

Em 2010, Luciana Corá aterrissou em solo alagoano, contratada pela Uncisal como professora visitante. Cinco anos depois, veio a ser efetivada após prestar concurso público. Em meio aos questionamentos, a lembrança do real motivo pela escolha da instituição alagoana: o desafio! “Deixei minha zona de conforto, minha família, o parque tecnológico, estrutura científica e linha de pesquisa consolidada em Tecnologia Farmacêutica para criar. O desafio era implantar um laboratório na Uncisal, criar linhas de pesquisa e produzir. Era necessário superar a escassez de recursos e contribuir com o desenvolvimento da pesquisa na Universidade.”

Luciana Corá também relembrou sua jornada na carreira científica (Foto – Tarcila Cabral)

O BiomaG foi fundado na Uncisal em outubro de 2010, com o apoio do professor José Ricardo de Arruda Miranda, chefe do Laboratório de Biomagnetismo da Unesp em Botucatu, que cedeu os primeiros equipamentos. Em seguida, foi formado o Grupo de Pesquisa em Biomagnetismo aplicado à Gastrenterologia, que recebeu recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, com isso, outros equipamentos foram adquiridos, o que tornou possível o aumento da capacidade de atuação.

Ainda segundo a professora, todo o aprendizado até aqui foi bastante intenso. “Foram vários alunos nos programas de Iniciação Científica, como o primeiro aluno alagoano e cotista laureado com o 1º lugar Nacional na premiação Destaque Iniciação Científica 2013, por exemplo. Tem sido uma honra contribuir com a formação acadêmica de cada aluno que fez parte do grupo de pesquisas em Biomagnetismo da Uncisal”, salientou Luciana.

Em 2011, alunos da Medicina e dos cursos técnicos de Sistemas Biomédicos e Análise e Desenvolvimento de Sistemas foram integrados ao laboratório como bolsistas de iniciação científica, recebendo bolsas do CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). No ano seguinte, o Laboratório ampliou suas atividades ao receber recursos financeiros provenientes do edital da Fapeal para o Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem).

“Esse foi o apoio mais expressivo. O Pronem possibilitou a aquisição de equipamentos com tecnologia de ponta, fundamentais para os estudos desenvolvidos pelo grupo. Por meio dos recursos da Fapeal, foi possível adquirir o sistema GastromotiliT – BAC com multisensores e, com essa tecnologia, ampliaram-se as parcerias, os projetos, o número de alunos e a produção científica do grupo”, comemorou Luciana Corá.

Como em toda trajetória bem-sucedida, a da professora Luciana também teve muitos desafios. “Em muitos momentos, não raros, havia dúvidas sobre a formação, sobre a carreira, se estava certa em continuar ou se teria futuro. Além destes, tinham os experimentos que não fluíam, as inúmeras etapas que eram constantemente refeitas, falta de investimentos e recursos para a pesquisa, a constante pressão das agências de fomento e do programa, a recusa dos papers, enfim, são incontáveis as dificuldades. Mas, o que faz valer a pena? A satisfação de fazer aquilo que muitos consideram improvável: acreditar no seu potencial, acima de tudo, mesmo quando muitos questionam suas habilidades”, revelou.

Em 2013, com financiamento do CNPq por meio de edital universal, o Laboratório ampliou sua atuação, assim como o número de bolsistas de iniciação científica. Em 2016, devido a uma reforma no prédio sede da Uncisal, suas atividades foram paralisadas, mas os trabalhos foram retomados ano passado. “No momento, o BiomaG passa por reestruturação para, assim, receber novos bolsistas e alunos da pós-graduação”, diz a professora e pesquisadora.

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