DestaqueNotícias

Produzir ciência para salvaguardar a história alagoana

Estudo de mestrado apoiado pela Fapeal relembra a Alagoas do século XIX e analisa a educação pública da época

 

Tárcila Cabral – texto

Naísia Xavier – fotos

 

Produzir ciência é algo que você está familiarizado? Então imagine um estudo que te transporta a Alagoas do século XIX e ainda rememora a história da nossa educação pública. Este estudo não somente existe como foi apoiado pela da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), com o intuito de construir um rico acervo da historiografia do estado.

Nesta iniciativa, a Fapeal concedeu uma bolsa para Andreza Oliveira, estudante de mestrado em História da Universidade Federal de Alagoas (Ufal),  com o objetivo de intensificar o fortalecimento dos estudos das ciências humanas. A pesquisa consiste na análise da instrução pública da educação primária de Alagoas no século XIX, que anteriormente era uma província.

 “Eu pude perceber na segunda metade do século XIX que houve um aumento dos alunos frequentando as cadeiras de primeiras letras. Mas também houve um progresso no número de meninas que passaram a frequentar as escolas, lembrando que tudo isso era público”, frisa a mestra.

Andreza Oliveira cita que o comportamento da época e os questionamentos são similarmente compreendidos num contexto atual. As indagações dos professores e muitas problemáticas são a realidade de hoje, pois simbolizam desafios recorrentes na educação, e este comportamento cultural atravessa geração após geração.

Apenas ilustrando um dos dilemas do século, a própria estrutura escolar era precária, feita a partir de casas que eram escolas. Os professores moravam nessas residências e lá tinham um espaço reservado na casa que eles escolhiam para dar aula: os salários tinham uma verba a mais, destinada para cobrir os custos desta residência.

Porém nem sempre os pagamentos eram satisfatórios. A concepção do estudo era importante, mas o conceito de escola não era visto da mesma forma. Para se ter uma ideia, até 1812 existiam apenas duas escolas em Alagoas. No entanto, a partir da constituição em 1824 e da aprovação do ensino feminino em 1827, houve um incremento no número de alunos. Porém, nos registros documentais isto só começa a ser computado no ano de 1831.

Nesta trajetória histórica é somente em 1870 que o pensamento de se montar uma escola, de se possuir um prédio físico para a instituição começou a ser considerado, e contou com uma discussão maior na câmara. Segundo a pesquisa, nos tempos de colônia havia poucas instituições de ensino, e elas eram geralmente ligadas aos jesuítas. Como Alagoas era província de Pernambuco, os que desejassem ter um estudo mais avançado poderiam recorrer ao seminário de Olinda. Um centro de ensino superior para quem detinha posses, porém, era de acesso limitado a um grupo da alta sociedade.

A historiadora cita que optou pela construção abordando a situação dos professores na província, pois ela estava melhor detalhada em documentos e dados nos arquivos do estado. Mas frisou que todo o trabalho durante os dois anos de estudo, só foi executado graças ao apoio que recebeu da Fundação.

“Tudo isso só se tornou possível devido ao incentivo da Fapeal. Eu trabalhava em cinco escolas e pedi demissão delas para realizar meus estudos com qualidade por conta do auxílio que recebi desta instituição”, frisa Andreza.

A Educação em pauta

A escolha por um tema histórico, mas atual foi uma iniciativa da mestranda. Seu orientador, Gian Carlo de Melo, explica que no Programa de Pós-Graduação (PPG) em História os temas são instruídos e não ditados pelos professores.

Ele aborda que Andreza propôs a linha do trabalho e chegou com a proposta já idealizada e direcionada, com fotos e possíveis canais de acesso. O doutor em História do Norte e Nordeste citou que a análise vem num momento importante e atual da discussão, de ataques à educação brasileira e contingenciamentos. Ele cita que estes exemplos explorados no passado ainda se repetem no presente.

“O professor escolhia um quarto da sua casa para dar aula, os salários não eram compatíveis e atrasavam, não se tinha uma estrutura de carteiras, cadernos, livros, tudo isso era muito precário. E se a gente observar hoje com a tendência que se desenha, essa precariedade tem tudo para se agravar”, explica o historiador. Ele ressalta que o cenário antigo continua a se repetir em déficits salariais, falta de reconhecimento e longas jornadas de serviço.

Como o docente dá aulas sobre o século XIX, é uma associação coerente à atualidade, que segundo ele relembra uma história de desvalorização constante. Pois no estudo produzido, Andreza Oliveira constatou diversos professores doentes por conta do excesso de trabalho e estresse, apresentando tendinites e outros problemas de articulação. Este comportamento cultural se segue e ocorre porque a conjuntura da sala de aula favorece isso, repetindo-se ainda hoje.

Gian Carlo ainda frisa que o estudo tem um enfoque nos professores da educação pública, pois naquele século apesar dos tutores particulares já existirem, eles eram poucos.

Recursos e pesquisa

O investimento para se produzir ciência é fundamental, e segundo a mestranda o auxílio recebido foi imprescindível para sua carreira acadêmica. Andreza Oliveira está há 11 anos na Ufal e cita que só conseguiu se manter sempre pesquisando graças a este suporte. Para muitos que não conhecem a realidade das universidades, estes valores são cruciais para manter vivos os sonhos dos alunos que fazem pesquisa.

Realizar uma pós-graduação, sendo ela acadêmica ou profissional requer afinco, o que é cobrado pelas rigorosas avaliações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão que qualifica os programas de pós-graduação, PPGs, sem os quais não se formam professores universitários. Então dedicar o seu tempo de forma exclusiva é geralmente a única alternativa que se possui.

No caso da acadêmica, ela cita que através do apoio ela conseguiu se sustentar financeiramente, comprar os livros necessários, tirar xérox, participar de eventos fora do estado e, em síntese, teve um estímulo efetivo.

“Enquanto estudante de mestrado eu pude viajar mais para explorar a temática, comprar mais obras — o que não é barato, e conhecer pessoas que trabalhavam a mesma linha de pesquisa. O meu tempo era exclusivo para o estudo”, frisa a aluna.

A historiadora explica que, durante o seu primeiro ano no PPG o seu tempo foi todo voltado ao Arquivo Público de Alagoas (APA), para desenvolver a pesquisa. Já o ano seguinte, foi dedicado à parte escrita e aos eventos acadêmicos, sempre com a aprovação do orientador.

Sem trabalhos e outra fonte de renda, o auxílio da Fapeal se tornou fundamental para impulsionar o estudo de Andreza Oliveira e de tantos outros pesquisadores. Toda a sua turma de mestrado pôde contar com bolsas estudos, ou seja, 11 alunos produzindo exclusivamente ciência.

Para Gian Carlo de Melo, a experiência enquanto pesquisador apoiado pela Fapeal já acumula alguns frutos através de alunos e ex-alunos que receberam bolsas da Fundação. Além disso, o professor já contou com recursos para realizar eventos científicos, trazer pesquisadores ao estado e disponibilizar publicações, entre outras parcerias.

“A importância disso vai de encontro a produzir ciência. Agora mesmo, eu estou finalizando um livro sobre escravidão que é fruto de um evento que foi financiado pela Fapeal, mas eu tenho outro projeto sobre escravidão, também pela fundação, que eu vou conseguir publicar”, explica o docente.

Isto representa ciência produzida que vai ser publicada e futuramente pontuada via Qualis Capes, o que gera retorno dos investimentos do Governo de Alagoas, não só para pesquisadores como Gian Carlo, mas a todos que tiverem acesso direto e indiretamente ao sistema público de pós-graduação, pois a quantidade de recursos enviados pelo Ministério da Educação fica atrelada aos indicadores locais de produtividade científica.