Os investimentos em Ciência e Tecnologia deveriam ser inalienáveis. Toda sociedade que se preza e preserva procura no conhecimento científico acumulado a fonte de suas grandes decisões, do progresso material e, nos termos hegelianos, espiritual. A crise mundial do Coronavírus 2019 Disease (COVID-19) é uma emblemática situação que nos faz refletir como o desenvolvimento científico é importante, com destaque para a ciência básica, aquela que muitas vezes do inesperado saem tantas respostas para os dilemas da humanidade e seu entendimento sobre o funcionamento da natureza.
O recente editorial na prestigiada revista científica Science, pelo seu coordenador, H. Holden Thorp, respondeu, elegantemente, as pressões do presidente dos EUA, Donald Trump, por mais rapidez da comunidade científica norte-americana nas respostas à pandemia do COVID-19. Thorp exaltou o desprestígio governamental que a ciência e os pesquisadores no país estão enfrentando. Se a maior potência econômica mundial passou a tratar sua estrutura científica da maneira relatada pelo editor da Science, é porque algo de muito grave acontece na relação entre política e o conhecimento (acesse aqui o texto). Logo os EUA que somente chegaram a liderança econômica, tecnológica e bélica internacional porque assentou seu longo processo de desenvolvimento, desde a segunda metade do século XIX cruzando todo o posterior, na ciência, inclusive atraindo grandes cérebros de várias partes do planeta.
Segundo as melhores estimativas, uma nova vacina para enfrentar o COVID-29 só sairá, em definitivo, daqui pelo menos a dois anos. A ciência básica nas áreas de saúde e epidemiologia trabalha a pleno vapor, com pesquisadores do mundo inteiro cooperando, discutindo, publicando artigos para divulgar resultados primários e avaliando o dinâmico quadro pandêmico, ultrapassando fronteiras geográficas e políticas.
As crises anteriores provocadas por outros vírus servem como referências para fazer avançar a ciência sobre as possíveis soluções do atual quadro de calamidade. Agora, imaginemos um período mais longo e permanente de redução dos recursos e investimentos para os laboratórios de pesquisa, formação de novos profissionais, compra de insumos e equipamentos, instalação e manutenção dessas estruturas etc. Tudo ficaria muito mais difícil e o fator tempo seria uma variável ainda mais contrária à solução de grandes problemas que a humanidade ainda enfrenta, especialmente o COVID-19 nesse momento.
Então, por que continuar sacrificando o desenvolvimento da ciência se o que já sabíamos de seu papel na sociedade nesse momento se impõe com tanta força e veemência diante das circunstâncias provocadas por essa pandemia? Por que continuar tratando os cientistas como inimigos nacionais, desqualificando seus trabalhos e opiniões? Cortar investimentos e contingenciar fortemente os orçamentos públicos?
No Brasil, a política econômica sacrifica o sistema nacional de produção científica contingenciando a sua principal fonte de recursos, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), felizmente retirado da PEC 187/19 que extingue os fundos públicos e incluía o FNDCT. Graças a mobilização da comunidade científica e acadêmica, especialmente da Iniciativa da Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), que reúne entidades como SBPC, ABC, Andifes, Confap, Conif, Profies, Confies etc.
Poucos na sociedade têm conhecimento que o FNDCT que é mantido com recursos originários das atividades econômicas privadas, portanto não são receitas públicas, contribuições que deveriam ficar completamente de fora da estratégia governamental de austeridade fiscal. Dos R$ 4,6 bilhões de arrecadação previstos esse ano pelo FNDCT, 4 bilhões cairão na “reserva de contigência” e boa parte dos 600 milhões poderão contemplar projetos de P&D na área militar, de defesa, direcionados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Por ironia, nesse momento parte dos cientistas brasileiros se desdobram como podem trabalhando para minimizar os efeitos da situação instalada pelo COVID-19. Estamos muito próximos da saturação nas condições de trabalhos dos pesquisadores brasileiros e laboratórios, em razão da queda vertiginosa dos investimentos e financiamento.
Para se ter uma dimensão do problema, está previsto para esse ano no orçamento da principal agência federal de fomento da ciência brasileira, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apenas R$ 16 milhões para o custeio das pesquisas. Recursos do Tesouro Nacional. Do FNDCT, principal fonte dos programas do CNPq, zero de repasse, isso mesmo, nada!! Chegamos numa situação absolutamente esdrúxula: a agência federal contará com aproximadamente R$ 800 milhões para pagamento de bolsas em várias modalidades para os pesquisadores, mas eles não terão recursos (para custeio e capital) para dar andamento aos projetos ou iniciar novos programas de pesquisa. E vale lembrar: isso tudo diante de uma grande pandemia de consequências imprevisíveis na sociedade brasileira.
Ou seja, é imperioso que o Brasil adote, urgentemente, uma política de Ciência, Tecnologia e Inovação que leve em conta: i) uma fonte perene e não contingenciável de recursos, ii) atenda as prioridades nacionais, iii) estabeleça uma forte interação e intercâmbio internacional, iv) fortaleça as agências federais (Capes, CNPq e Finep) e os institutos nacionais de pesquisa e v) coopere com as agências estaduais de fomento aos ecossistemas de ciência e tecnologia (Fundações de Amparo), através de convênios e termos de cooperação.
*** O professor Fábio Guedes Gomes é presidente da Fapeal e vice-presidente do Confap