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Fapeal em Revista apresenta: Os riscos da automedicação

Pesquisadora da Ufal destaca que ação pode trazer graves consequências à saúde e até levar à morte

Deriky Pereira

Pesquisadora Aline Fidelis (Foto: Tárcila Cabral)

Você está em casa, realizando alguma atividade do seu dia a dia quando, de repente, pimba! Bate aquela dorzinha de cabeça. Pode até parecer normal, tem tanta coisa acontecendo, né? Aí você se lembra que tem um “remedinho perfeito” para amenizar ou quem sabe curar essa dor. Vai lá, toma o remédio, descansa um pouco e… Parece que passou. 

Bom, se você já fez isso assim, por conta própria ou por indicação de alguém que não é especialista no assunto, cuidado: mesmo que tenha sido um Medicamento Isento de Prescrição (MIP), você praticou a automedicação. E isso merece atenção! Rimou e essa foi a intenção. Quem alerta é a pesquisadora do curso de Farmácia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), ouvida por Fapeal em Revista, Aline Fidelis. 

Segundo ela, os MIPs são aprovados por órgãos de vigilância sanitária – no caso do Brasil é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também libera a lista desses remédios – e são destinados a tratar males menores. 

Mas esse tipo de medicamento segue alguns critérios: “Ser comercializado há mais de 10 anos, visando compilar e analisar dados sobre possíveis relatos de casos de intoxicações decorrentes deste medicamento; ter a segurança bem estabelecida; a indicação clínica bem definida; ser um fármaco de uso por curtos períodos; ser manejável pelo paciente; e não apresentar potencial para causar dependência”, como explicou Aline.

No entanto, mesmo sabendo da existência desse tipo de medicação, usar um remédio, por conta própria para tratar qualquer sintoma – como no exemplo citado acima, uma dor de cabeça, – é considerado automedicação: “Geralmente, os MIPs são fármacos que devem ser usados apenas após orientação de um profissional da saúde, a exemplo de um profissional farmacêutico, visando analisar o paciente por meio da anamnese e indicar, além do medicamento, a busca pela avaliação clínica médica ou de outra competência no âmbito da saúde, como nutricionistas, fisioterapeutas, entre outros profissionais que também podem indicá-los”, disse Aline.

Automedicação pode trazer graves consequências

A pesquisadora reforçou ainda que o Brasil possui um contexto cultural que reforça o senso comum em prol da automedicação. Disse ainda que muitas pessoas acreditam que o uso de certos medicamentos pode servir de solução para aliviar alguns sintomas como, por exemplo, uma dor. 

No entanto, a automedicação pode trazer graves consequências para a saúde: “E são consequências que vão desde reações alérgicas, efeitos colaterais, efeitos adversos, farmacodependência e até a morte. Em alguns casos, o sintoma, como a dor, pode ser mascarado pelo uso de medicamentos escondendo uma patologia tratável, mas que pode se tornar crônica e até incurável”, complementou Aline Fidelis.

Ao analisar dados epidemiológicos sobre intoxicações no Brasil, com base no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) e no Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), observa-se que os medicamentos sempre ocupam o primeiro lugar no ranking das intoxicações exógenas, considerando tanto os casos de intoxicações que evoluem para a cura, quanto os casos de intoxicações que levam ao óbito. “Tais dados fazem emergir a necessidade de se promover o uso racional de medicamentos no Brasil”, frisou Aline.

Cabe reforçar a importância de não se confundir esse “alívio de sintomas” ao se automedicar com o chamado efeito placebo. 

“Efeito placebo é quando uma substância ou procedimento produz um efeito fisiológico positivo, mesmo que não tenha capacidade para isso. Ou seja, quando o uso de injeções de soro fisiológico ou comprimidos de açúcar, que são os placebos mais usados, induzem a melhora dos sintomas apresentados pelo paciente. O efeito placebo geralmente é explicado por influência psicológica”, explicou a docente.

A pesquisadora nos explicou também que o uso de um placebo é muito importante para a pesquisa clínica em dois sentidos: ao realizar um estudo sobre a efetividade de um novo medicamento ou avaliar se um medicamento já existente pode ser efetivo para tratar uma nova doença.

“Nesses estudos clínicos, além da pesquisa qualitativa sobre os sintomas que o paciente relata, há a pesquisa laboratorial, que analisa em amostras biológicas – sangue, urina e etc – se há a presença de marcadores que identificam os efeitos farmacológicos, fisiológicos, tóxicos ou terapêuticos, daquele fármaco ou substância que está sendo analisada”, disse Fidelis.

Pandemia elevou a ação de se automedicar; veja riscos

E a pandemia do novo coronavírus é um dos motivos para o aumento dessa automedicação. Segundo Aline Fidelis, a ansiedade generalizada causada pela própria pandemia e a divulgação, muitas vezes extemporânea, de estudos científicos – preliminares ou pré-clínicos sem os devidos esclarecimentos sobre tais métodos e sistemáticas científicas – são alguns dos fatores que influenciam a automedicação para “prevenir” ou “tratar” a covid-19.

“Já temos comprovação científica de que nenhum desses fármacos – cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina – é eficaz para prevenir ou tratar a covid-19, ou seja, há evidências científicas mostrando que não existe um tratamento precoce eficiente. Infelizmente uma parcela da população fez e continua fazendo uso desses medicamentos, de forma não racional e, consequentemente, em 2021 tivemos relatos de casos de hepatite medicamentosa, sendo alguns com indicação para transplante de fígado”, lamentou a docente.

Segundo a professora, um novo medicamento antiviral chegou a ser aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para tratar a covid-19 no início, mas ainda não está disponível no Brasil. Este medicamento tem como princípio ativo o Nirmatrelvir, que inibe uma proteína do SARS-CoV-2 dirimindo a replicação viral. 

“É importante destacar que o uso desse medicamento é recomendado apenas para pessoas que têm alto risco de evolução para o caso grave da doença e não é indicado para tratamento preventivo ou para pacientes que já estejam internados. Lembrando que nenhum medicamento substitui a proteção imunológica conferida pelas vacinas”, alertou Aline Fidelis.

Influenza também precisa de atenção

Atualmente, além da onda crescente de casos da covid-19, o país também registra nova onda de infectados pelo vírus H3N2 da Influenza – em algumas situações, inclusive, pessoas acabam descobrindo o diagnóstico positivo para coinfecção entre as duas, a chamada Flurona

O susto fez com que o Conselho Federal de Farmácia (CFF) registrasse um aumento na venda de medicamentos contra sintomas gripais nas últimas semanas na mesma comparação com o ano passado – dentre os remédios, houve aumento especial do fármaco Oseltamivir, antiviral específico para tratar Influenza. 

“Sabe-se que o uso não racional de todos esses fármacos pode trazer efeitos colaterais indesejados e reações adversas. E ainda, nos casos de medicamentos que combatem bactérias, protozoários e vírus há um agravante que é a possibilidade da seleção de cepas resistentes e com isso, a diminuição da eficácia desses medicamentos ao longo do tempo”, alertou Aline.

A pesquisadora, no entanto, fez alertas quanto aos cuidados preventivos necessários para se evitar contaminação viral, como o distanciamento social sempre que possível, o uso da máscara de forma correta – de preferência, o modelo N95 ou PFF2 – além de realizar o ciclo vacinal completo contra a covid-19 e também para Influenza, ratificando que todos os imunizantes aprovados pela Anvisa são seguros.

“Além disso, manter os cuidados com uma alimentação leve, muitas frutas, verduras e hidratação. Avaliar sinais fisiológicos e suas alterações, como temperatura corporal e a persistência de febre, além da saturação de oxigênio (por meio de um oxímetro de dedo ou de pulso) ou até mesmo avaliar se está se sentindo ofegante. Em casos de oxigenação abaixo de 95%, desidratação e outros sintomas mais graves, o ideal é procurar urgentemente uma unidade de saúde”, frisou.

A pesquisadora destacou ainda a importância de procurar profissionais especializados para dar início ao uso de remédios: “Quanto ao uso de Medicamentos Isentos de Prescrição, para controle dos sintomas gripais, oriente-se com um(a) profissional farmacêutico(a) que irá orientar formalmente a terapêutica adequada”, salientou Aline Fidelis.

Disseminação de notícias falsas potencializa automedicação

Aline reforçou ainda que a disseminação desenfreada de notícias falsas – que ela classifica como um “problema mundial” – contribui e muito para o aumento da automedicação e, consequentemente, dos riscos à saúde.

“A desinformação contribui muito fortemente para a automedicação, especialmente nesse momento da pandemia da covid-19, em que foi e continua sendo disseminada a ideia errônea da existência de um tratamento precoce”, justificou.

Para a pesquisadora, projetos e atividades que contribuam com a popularização da ciência são considerados como a melhor forma de combater a desinformação: “Nesse momento, em que temos visto muito material audiovisual de desinformação sendo produzido e consumido pelas pessoas, a melhor forma de combater é desmentir as Fake News e produzir material de qualidade com abordagem popularizada, além de buscar engajamento nas mídias sociais e diversas mídias, visando a disseminação de informações corretas”, contou.

Frentes de combate à desinformação

Foi pensando nessa onda de combate à desinformação que o Centro de Informações Toxicológicas da Ufal (Citox), derivado do Grupo de Pesquisa em Toxicologia (GPTox/CNPq), dinamizou a sua atuação e realiza, em seu perfil no Instagram, intensa divulgação de informações toxicológicas no objetivo de popularizar a ciência. 

O Citox Ufal atua desde 2009 por meio do CITox nas Escolas, que envolve estudantes de graduação do curso de Farmácia e mestrandos do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) da Ufal. Além de popularização da ciência, o grupo propaga conhecimento acerca de casos de envenenamentos causados pelos mais variados agentes tóxicos, visando diminuir o risco de intoxicações, por meio da informação, e promover a saúde das pessoas.

Outra ação, também no Instagram – e no YouTube – que atua no combate à desinformação é o Minutos da Ciência, produzido pela Comunicação da Fapeal, programa do qual a professora é telespectadora assídua, classificando-o como um ótimo projeto de popularização científica.

“A abordagem dos temas e referências científicas é sempre didática, dialogada e tem um leve tom de humor, que aproxima as pessoas. Além disso, a equipe responde rápido aos comentários nas mídias sociais, aumentando o engajamento dos seguidores. Em termos de saúde pública, no âmbito da pandemia, o combate à desinformação tem sido um diferencial do Minutos da Ciência”, elogiou.

Confira aqui a edição da semana, cujo foco é, justamente, combater a desinformação.