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Expedição desbrava o Rio São Francisco e apresenta relatório

Projeto apoiado pela Fapeal apresenta resultados alarmantes sobre a qualidade da água e realidade ecossistêmica do rio

Tárcila Cabral – texto

Naísia Xavier – fotos

Existem pesquisas eficientes no sertão nordestino? Sim, elas não só existem como analisam uma série de impactos naturais e socioeconômicos para o estado. Este conjunto compõe a narrativa explorada pelo professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Emerson Soares, que tem realizado estudos nas regiões do Rio São Francisco, especialmente em sua extensão baixa. A busca por dados consistentes fez com que, em 2018, ele e um grupo de pesquisadores desbravassem o rio, o fruto disso: um relatório divulgado no mês de julho, com 58 páginas sobre a atual situação ecossistêmica do São Francisco.

 Emerson Soares, coordenador do projeto

O projeto desenvolvido já há alguns anos conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), que direcionou bolsas de estudo e recursos para melhor equipar o laboratório de aquicultura. Com o lançamento do relatório da Expedição do Rio São Francisco, os gestores públicos e a sociedade têm ao seu dispor os resultados uma pesquisa de alto nível desenvolvida aqui em Alagoas.

O estudo 

Atualmente, o baixo são Francisco encontra-se com um extenso problema de poluição, suspeitas que já habitavam a mente dos pesquisadores, mas agora foram confirmadas. O rio apresenta uma degeneração através de agrotóxicos na água e nos peixes, possuindo assim quantidades perceptíveis de metais pesados como arsênio, cobre, ferro, zinco, manganês e crômio. Neste momento, boa parte deles estão controlados nos níveis aceitáveis, mas existe uma pequena parcela que já ascende dos demais e se torna preocupante.

O problema pode afetar as pessoas por uma dupla contaminação: fazendo o uso destes produtos sem os devidos equipamentos, e através do emprego descontrolado que contagia solo e rio. Quando este sistema está poluído, ele possui índices superiores de algumas substâncias e consequentemente isto afeta tanto o lençol freático como a calha principal do rio.

Agrotóxicos são carregados pela água das chuvas quando esta atinge o solo, através de um sistema que depende do escoamento superficial. A partir do acúmulo destas substâncias tóxicas no organismo, o que se pode esperar são doenças que vão desde tipos de cânceres, problemas no trato digestivo, úlceras, distúrbios gástricos, à doenças psiquiátricas e psicológicas.

Também foram observados nos testes altos índices de coliformes fecais na água de todas as cidades visitadas pela expedição, inclusive no local onde se capta água para o abastecimento. Nestes pontos de captação foram descobertas não somente estas bactérias, como excesso de matéria orgânica e substâncias como nitrogênio e fósforo que, quando em grande quantidade, são um indicativo de poluente que o sistema não está conseguindo processar.

O relatório reporta que, as cidades emitem seus esgotos no rio e tudo que está na parte alta do São Francisco acaba descendo para a parte baixa. Se não há um controle das descargas de poluentes, do uso de agrotóxicos, de esgotos domésticos e esgotos difusos — oriundos das indústrias, isso vai se acumulando.

Além dos níveis verificados de coliformes, metais e substâncias, atenta-se similarmente à questão do desmatamento e assoreamento que assolam a região. Segundo o doutor em biotecnologia, grande parte dos 140 km percorridos durante o estudo apresentam um bom acúmulo de sedimentos. Isto significa dizer que existem processos erosivos graves. A erosão neste grau é provocada justamente pelo desmatamento nas matas ciliares, que protegem as margens.

Em tempo, o que parece estar afetando mais rapidamente a população é o avanço da cunha salina. A pesquisa analisou que a vasão diminuiu consideravelmente em 2018, devido aos problemas de seca e retenção de água nas hidrelétricas acima. “Nós observamos que, com a redução do volume de água do São Francisco o mar avançou em direção ao continente e a cunha salina seguiu 3 km desde a última medida que tínhamos feito”, explica o acadêmico.

Um dos maiores receios do estudo é que, sem os devidos cuidados ocorram problemas de retenção de água favorecendo secas mais drásticas na região da calha, o que auxilia também no avanço da cunha salina.

Além disso, a água salobra afeta a saúde das pessoas que a consomem, pois contém altos níveis de salinidade que podem ser um fator a levar em conta no aumento de casos de hipertensão observado em todas as faixas etárias. Já nas plantações do arroz observa-se a mesma água sendo utilizada no cultivo deste cereal, que está sendo impactado pelos fatores de salinidade tornando difícil a sua adaptação. Isto afeta questões da saúde pública, mas também a parte socioeconômica, de produção e de geração de renda na região.

Reflexos do estudo 

Um dos fatores importantes trabalhados pela equipe de pesquisa são os efeitos desses contaminantes nos peixes: já se observa uma baixa da quantidade de espécies nativas do baixo São Francisco. Isto é decorrente da diminuição de água que faz o contato da calha principal do rio com as lagoas onde eles vivem. Só através da condução da água é possível permitir a migração dos peixes com estes ambientes aquáticos para a reprodução.

Isto foi chocante para o grupo afinal, espécies naturais do rio como o curimatá-pacu (Prochilodus argenteus), representavam em 2011 entre 30% a 40% da produção pesqueira do baixo São Francisco, como demonstram dados realizados pelo professor. Esta baixa incidência agregada ao sumiço de pilombetas e do camarão pitu, que são espécies endêmicas bastante consumidas na região, chamou a atenção dos estudiosos.

Diante de tantos incidentes o acadêmico completou que, dentre todos os danos é a poluição que realmente salta aos olhos da pesquisa. Hoje mesmo não se possuindo uma fiscalização efetiva, com respeito ao uso de poluentes e agrotóxicos é chocante saber que todas as cidades ribeirinhas apresentavam níveis altos de coliformes fecais: “Nós possuímos fezes na água e o pessoal a está consumindo com um alto teor de coliformes fecais e contaminantes de uma forma geral”, alerta o acadêmico.

Porém, existe outro fator nocivo: os contaminantes são tão prejudiciais que podem causar danos às células dos peixes. O pesquisador cita que, estas células afetadas não vão se dividir novamente e assim não gerarão novas células, por exemplo, novos gametas e óvulos. Com menor escala de produção, haverá menor taxa de fecundidade e os peixes irão se reproduzir menos, provocando uma queda na quantidade de peixes no ambiente.

Dados que surpreendem 

Questionado se há algum dado surpreendente, o professor explica que, apesar do grupo ter analisado mais aspectos negativos, também foram notados contextos positivos. Sendo interessante dialogar sobre agricultura com o professor Rafael Navas, pesquisador da expedição que analisou iniciativas de algumas associações em Igreja Nova, por exemplo. A cidade trabalhava na ocasião com agricultura orgânica sem uso de agrotóxicos, e isto se torna importante. São concepções que envolvem a comunidade na produção orgânica, cultivando produtos que fornecem mais confiabilidade de consumo.

Dentre os dados que são, de fato, preocupantes, o pesquisador alerta primeiramente para a diminuição considerável da fauna aquática. Sua equipe pôde observar um maior número das quantidades de espécies marinhas em relação às espécies nativas, pois nas amostragens quase não foram encontrados peixes comuns a bacia.

Invertendo o fluxo 

Embora encontrem-se ações bem positivas no campo da educação ambiental, ainda existe uma precariedade de informações com respeito à importância de se preservar e conservar o sistema aquático. Os planos pedagógicos ainda têm iniciativas muito tímidas no que se refere à conscientização ecossistêmica. O acesso pode ser aperfeiçoado nos programas das escolas junto às prefeituras e secretarias de meio ambiente, no entanto, esta é uma das medidas, mas não a principal.

Apesar de manter um espaço a ser preenchido na sensibilização ambiental, muitos destes moradores têm consciência ao menos das consequências do acúmulo de poluentes e esgotos. Segundo o engenheiro de pesca a população se questiona sobre isso, muitas pessoas sabem que o plástico e o esgoto ali certamente irão gerar um problema. A consequência disto: uma situação já agravada em vários municípios e a necessidade de ações mais drásticas para reverter o processo.

O pesquisador contextualiza os dados

Tudo isso vem sendo carreado por boa parte dos cerca de 2.700 km de extensão do curso da água que recebe os esgotos. Os recursos, portanto se tornam indispensáveis para a construção de um programa tanto educacional, quanto de tratamento dos esgotos e saneamento básico de todas as cidades que emitem seus poluentes no sistema aquático. Além disso, há a questão de fiscalização, tanto a preventiva como aquela com fins de combater os problemas de contágio.

“O ideal seria conduzir uma fiscalização mensal. Não se pode contar apenas com uma ou duas fiscalizações por ano. Sei que os recursos estão cada vez mais escassos, mas a gente tem de procurar parcerias e trabalhar em conjunto, pois ela é necessária”, aponta o acadêmico.

Soares reflete que só o tratamento não é suficiente, afinal a comunidade tem noção dos problemas existentes e continuam trabalhando com produtos químicos. Então se existir uma mudança na questão da fiscalização sendo ela mais constante, as pessoas sentirão a presença efetiva de ações que se propõe a mitigar os complexos existentes no rio São Francisco.

As perspectivas futuras da pesquisa 

A ideia do projeto é dar seguimento a construção do programa de monitoramento de corpos hídricos de Alagoas. O intuito é verificar a região do baixo São Francisco em um projeto, e a lagoa Mundaú/Manguaba em outro mecanismo de controle, mas trabalhando de forma integrada.

“Observamos que a Fapeal conseguiu atravessar os obstáculos, pois sabemos que o país enfrenta uma crise. Graças a isto temos bons resultados de cooperação com a instituição. O próprio laboratório de aquicultura que possuímos conseguiu obter recursos em sua estruturação e nós agradecemos”, menciona o estudioso.

O pesquisador e sua equipe se preparam agora para embarcar novamente na coleta de dados, na edição de 2019 da expedição.