Debate sobre o tema durante a SBPC Educação reforçou a importância de o assunto ser discutido especialmente com crianças e adolescentes
Deriky Pereira
“Quando eu era mais novo, acho que com uns 12 ou 13 anos na época, estava saindo do colégio e ouvi quando alguns meninos diziam: olha lá, aquele ali parece que quebrou a mão. E diziam outras coisas que não recordo agora, ouvi algumas risadas também… Eu não entendi, a princípio. Pensei: sim, já quebrei o braço quando era mais novo, doeu muito e tal. Até que depois de um tempo notei que poderiam estar falando de algo relacionado à sexualidade e fiquei bastante incomodado.”
A afirmação acima foi dita pelo Pedro*. Aqui, os nomes serão fictícios. E na verdade, o nome é o que menos importa. Naquela época, Pedro disse que não sabia o que era, mas sentia-se incomodado pelo que acontecia – e acontecia com certa frequência. “Não foi só dessa vez, mas a que eu mais tenho lembrança é essa. Por algum motivo essa fala me marcou, me deixou triste e nunca esqueci”, recordou.
Hoje, aos 32 anos, Pedro sabe o que estava acontecendo quando tinha 12. Ele era vítima de bullying. Pedro realmente não tinha como saber a existência desse problema. Segundo o pedagogo, especialista em neuropsicologia e pesquisador da área de sofrimento de crianças e adolescentes, Hugo Ferreira, o bullying só começou a ser estudado no Brasil de 1993 em diante, mais precisamente há 15 anos.
Mas o que é o bullying? “É um fenômeno cujas principais características se relacionam à simetria de poder, à violência sistemática e planejada e a não consciência da vitima sobre a motivação que a leva a sofrer. O bullying é um fenômeno que tem sido pesquisado há pouco tempo e ele é, digamos, histórico. Acho que ele está no princípio do pensamento e da condição humana”, disse Hugo.
O pesquisador acredita que o bullying tem a ver com a relação da ideia de não aceitar o outro como ele é. “Então, tem a ver com preconceito. Por esse motivo, como o preconceito é uma invenção humana, digamos assim, me parece que essa invenção é muito antiga e o bullying tá relacionado, portanto, com essa invenção. O bullying tem muito a ver com preconceito”, explicou.
A fala do professor reitera o que Pedro pensa nos dias de hoje. “Eu não sei o que motiva uma pessoa a caçoar outra por qualquer motivo que seja. E outra: não é bem caçoar a palavra, é ofender mesmo, já que quando a sua brincadeira afeta o outro de maneira que ele não gosta, não é mais uma brincadeira. Mas as pessoas insistem nisso, é muito complicado, só sabe quem passa”, lamentou.
Atenção, pais!
Segundo o pesquisador Hugo Monteiro, a prevalência do bullying tem sido entre as faixas de 11 a 15 anos de idade. E ele diz ainda que eles sabem quando estão sendo vítimas. “Nessa idade é quando você mais escuta relatos de crianças e adolescentes que passaram ou passam por esse transtorno. As crianças percebem de pronto quando são discriminadas, quando são desrespeitadas, aviltadas. O que pode acontecer é que o adulto não perceba, mas as crianças percebem logo no inicio quando as coisas não estão bem”, disse ele.
E quando o adulto não percebe? “Se a recepção não for boa, isso pode prejudicar. Por exemplo, se a criança tiver problemas em casa, problemas familiares, isso repercute no ambiente escolar, onde o bullying tem tido maior ocorrência”, explica. Foi mais ou menos o que aconteceu com a Clara*, que vivenciou a situação com sua filha. “Tive contato com isso sim. À medida que Hugo foi esclarecendo o tema eu fui encaixando as situações que ela vivenciou e identifiquei a situação”, comentou.
Dos relatos coletados pelo grupo de pesquisa liderado por Hugo na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em sua maioria de crianças, ele também destacou a importância de os pais estarem bastante atentos aos seus filhos.
“Pais, fiquem atentos. Escutem o que as crianças têm a dizer! Falem com elas, procurem estabelecer uma relação afetiva e amorosa, de modo que a criança ou o adolescente possam se sentir seguros, para que toquem às suas vidas, os seus caminhos. E que se elas, por acaso, estiverem sendo vítimas desse problema, que sintam em casa um espaço favorável e acolhedor para que se fortaleçam e consigam experimentar uma situação amorosa em que trazendo amor, possam trazer também a terapêutica, o espaço terapêutico mesmo”, alertou.
Empoderar a vítima é importante!
Reiterando a fala do pesquisador, Clara tocou num ponto ainda mais delicado: abraçar a vítima é importante para evitar que o final da história seja trágico. Para ela, o primeiro passo seria: “Fazer com que esse lar seja amoroso. Se você ama, cuida desse filho, se essa família está fortalecida, fatalmente não vai desencadear o bullying na escola porque a criança vai estar forte, forte emocionalmente”, disse.
E se o bullying já estiver instalado? “A solução é empoderar essa vitima, essa criança, esse adolescente, pra que ele consiga sair desse circulo, entendeu? De agressão, de tristeza, pra que a culminância não seja o suicídio”, comentou Clara, tendo a fala complementada pelo professor Hugo Monteiro.
“A família não vai substituir a psicoterapia, mas a família é terapêutica ou pode não ser. A mensagem que eu deixo é que escutem as crianças. Fiquem atentos, procurem percebê-las como sujeitos de direito, como sujeitos que tem possibilidade de crescimento e de opinião. As palavras-chave nisso tudo são amorosidade, acolhimento, compreensão, empatia, enfim, são essas”, salientou.
Os perigos do ciberbullying
Além do que costuma ocorrer presencialmente, muitos casos também tem sido registrados na internet, o chamado ciberbullying. Dados de uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em outubro de 2017, mostram que de cada quatro crianças e adolescentes, um foi vitima de ofensas na internet. Isso corresponde a 5,6 milhões de meninas ou meninos de 9 a 17 anos.
E os dados crescem a cada ano. Em 2014, eram 15%. No ano seguinte, subiu para 20% e em 2016 já estava em 23%. A taxa, no entanto, nem sempre corresponde a cyberbullying, mas abre o precedente para se pensar nos perigos que esses jovens passam na rede mundial de computadores e da importância de os pais estarem atentos ao que eles fazem, postam, comentam ou compartilham nas mídias digitais.
Para Hugo Monteiro, esse tipo de bullying é um dos mais difíceis de solucionar – nem tanto pela agressividade, mas por não se prender ao espaço físico. “E ele tem tido uma prevalência muito grande, ocorrido com muita frequência. Eu não sei dizer exatamente a motivação que levaria uma pessoa a perseguir outra nas redes sociais, mas acho que a matriz da perseguição tem muito a ver com o que eu falei agora a pouco, sobre preconceito, sobre segregação e rejeição da identidade alheia, acho que tem muito a ver com isso”, explicou.
Tratamento: passos para vencer o bullying
Por muitos anos, Pedro fez atendimento com psicólogos para tentar entender o que acontecia e como tudo aquilo mexia com sua vida. Hoje, ele consegue falar com um pouco mais de propriedade sobre o que passou e como evoluiu ao passar do tratamento. Mas, chegar até aí foi um caminho muito complicado. “A minha mãe não entendeu muito bem o que acontecia e eu não tinha contado que era homossexual, tinha medo. Já foi com a ajuda de uma tia que me levou à terapia e comecei a falar, aos poucos, era muito difícil, eu tinha muito medo e vergonha. Foram muitos anos, muitos anos mesmo, para, não só me aceitar, mas entender o que se passava e perdoar aquelas pessoas. Hoje estou mais forte”, salientou.
O que Pedro fez é o que o pesquisador Hugo recomenda: “De modo geral, quando se é vitima de bullying, é preciso ajuda psicoterapêutica. A ajuda de profissionais da área, de terapias também, terapias integrativas, eu utilizo varias, porque causa trauma psicológico, psiquiátrico e trauma a gente precisa resolver com terapia”, apontou.
Já Clara venceu a situação duas vezes, no entanto, foi mais difícil, pois ela não conseguia falar sobre o assunto. “Foi a mãe da agressora que me tirou por ter descoberto a situação. As pessoas falavam que eu sofria por causa da filha dela, e ela foi à minha casa me pedir desculpas. Então eu só consegui sair assim. E eu não conseguia falar, não conseguia e é muito ruim, porque eu não conseguia o acolhimento na minha casa, não estava fortalecida emocionalmente. E me fez sofrer. E por me fazer sofrer, eu não quis que a minha filha sofresse. Então, eu intervi. Eu cuido, empodero, eu digo que ela pode! É isso”, concluiu.
Por essas e outras é que, como reforça Hugo Monteiro, precisamos falar sobre o bullying. “Ele é um fenômeno que não está retido e nem diminuindo. Ele é um fenômeno que precisa ser debatido e se ele não for a gente vai continuar colocando o problema em segunda ordem, instancia, sem discussão. E sem discussão a gente não vai conseguir encontrar caminhos de saída. No Brasil a área de educação ainda discute pouco o assunto, a área de saúde discute mais. Acho que é importantíssimo, fundamental, há uma demanda, as pessoas estão necessitando”, apontou.
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*Pedro e Clara são nomes fictícios de nossos personagens que, gentilmente, concederam entrevistas e confiaram suas histórias a este jornalista para realização desta matéria especial.