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Janeiro Branco: O que a pesquisa local tem a dizer?

Fapeal destaca um estudo que desponta com dados e estratégias sobre depressão e suicídio

 Tárcila Cabral  

Cuidar do interior, repensar as relações, o modo como se encara a vida e as dificuldades, buscar alternativas para a saúde mental e emocional: é sobre este universo que o Janeiro Branco busca refletir. A campanha, iniciada no Brasil em 2014, por psicólogos, nos remete a repensar a própria realidade, sobre o que pode ser feito em Alagoas e de que modo nossos pesquisadores têm avançado em trabalhos acerca da saúde mental.

Foto: Julia Pastouchonok

Um exemplo destes estudos foi a pesquisa desenvolvida no mestrado de psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) por Wilza Pinheiro. A dissertação denominada “Agressividade e impulsividade na depressão: uma avaliação neuropsicológica” foi além da temática dos cuidados mentais e buscou compreender o distúrbio da depressão associado a questões como agressividade, impulsividade e ideação suicida.

Esta análise contou com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), que pôde apoiar a acadêmica com uma bolsa advinda de uma cooperação com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Wilza Pinheiro esclarece que a tristeza é algo momentâneo que todos possuem em alguma circunstância, e a depressão, não. Por ser caracterizada como um transtorno mental, é necessário haver alguns sintomas que comprovem esse diagnóstico, que deve se pautar em sinais de tristeza frequente somados a choros sem motivos aparente, alteração na alimentação, mudanças na rotina do sono e mais questões que interfiram nas atividades diárias desta pessoa.

Por isso, o foco da pesquisa foi o de tentar avaliar algumas perspectivas neuropsicológicas, realizando uma associação entre o funcionamento cerebral e questões psicológicas, que vão influenciar o paciente dentro desse quadro da depressão.

“Nesta investigação, eu explorei se os comportamentos agressivo ou mais impulsivo em pacientes depressivos estariam relacionados de alguma forma a estes aspectos, para que a partir daí eu pudesse identificar e compreender de que forma conduziria uma melhora”, explica a pesquisadora.

Conhecendo as funções executivas

Na psicologia, o termo “funções executivas” designa um conjunto de funções, um agrupamento das atividades de regiões cerebrais que são responsáveis por um comportamento. No cérebro humano, cada região é encarregada por um comportamento e por alguns aspectos psicológicos também.

Psicóloga Wilza Pinheiro

De acordo com Wilza Pinheiro, estas funções representam a capacidade de executar algo. Ela afirma que, dentro do conjunto de ações desempenhadas, estão a capacidade de organização, de planejamento, a memória operacional que é um tipo de memória mais complexa, e a capacidade de atenção necessária para selecionar estímulos e focar. Porém neste grupo também se dispõe o controle de comportamento, que é o local no qual a estudiosa passou a investigar de perto as linhas de impulsividade e agressividade.

Um comportamento impulsivo é caracterizado como uma dificuldade que o indivíduo possui em controlar a sua conduta inibitória, o controle do impulso. É diferente no caso da agressividade, seja ela verbal ou física. Se há uma ação que pode ser realizada contra o outro, é chamada de heteroagressividade, quando contra si mesmo, é a autoagressividade. No caso dessa última, há uma relação direta associada ao comportamento suicida.

Vários estudos científicos apresentam que, quanto maior o nível de depressão maior será o risco de suicídio, afirma a psicóloga. A partir desta perspectiva se percebe que as pessoas que tem uma dificuldade maior no controle inibitório, ou seja, são mais impulsivas, apresentam uma tendência maior para o comportamento suicida. Portanto, esta postura de ideação suicida seria configurada como um ato motor de autoagressividade, direcionando uma ação agressiva apenas contra si mesmo.

Testes e análises técnicas

Para implementar esta abordagem a pesquisa contou com a análise de pacientes reais, divididos em dois grupos: um clínico, com pessoas portadoras de depressão e que tinham ou não histórico de tentativa de suicídio, e um segundo grupo de controle, formado por pessoas que não tinham quadro de depressão.

A partir disso, o trabalho foi embasado junto às entrevistas e testes realizados constando-se que, assim como já observado na literatura especializada na área, pessoas que possuem depressão têm uma associação maior com a ideação suicida, mas não foi só isso: “Nós conseguimos realizar uma correlação entre os comportamentos agressivo e impulsivo e as funções executivas, o que deu a compreender que, em pessoas com depressão existe uma dificuldade maior na atenção seletiva”, frisa a psicóloga.

Foto: Pascal Marais

Esta segunda afirmativa demonstrou que portadores de depressão são indivíduos que possuem um maior bloqueio em selecionar estímulos no ambiente, o que favorece para que eles terminem mantendo o seu foco atencional naquilo que é negativo. A dificuldade na atenção seletiva influencia para que ele foque num único estímulo, e como se está nesse quadro de humor rebaixado, o doente normalmente vai focar no que é diminutivo.

“É por isso que é comum em pessoas com depressão a gente perceber que se o paciente passou o dia todo bem, tendo coisas positivas e se no meio desse dia ocorre um evento negativo, para ele é como se o dia todo tivesse sido negativo”, completou Wilza.

“Sabe-se hoje que tanto a depressão como a ideação suicida são questões multicausais, mas quando se começa a tentar detalhar o que está por trás, é importante saber que indivíduos com depressão têm sim uma relação maior nessa alteração de suas funções e em especial na atenção seletiva” frisa a acadêmica. Ela completa citando que esta problemática pode acabar favorecendo o pensamento repetitivo negativo, e consequentemente motivar o comportamento do indivíduo como um todo.

Apoio e perspectivas futuras

 “De fato a bolsa Capes/Fapeal me auxiliou tanto durante a construção teórica na minha dissertação, como principalmente no momento da prática onde eu tive que aplicar toda essa bateria de testes com as pessoas participantes, e se eu não tivesse esse recurso financeiro não conseguiria construir a pesquisa”, aborda a psicóloga.

A estudiosa menciona também que a bolsa contribuiu, e muito, para o retorno deste estudo empírico como uma retribuição social. Ela afirma que agora, com os resultados, é possível se pensar e traçar novas estratégias num entendimento de como se deve lidar com pessoas num quadro de depressão, tratando a doença, mas diminuindo o potencial de suicídio similarmente.

A sua dissertação também rendeu frutos, ela foi apresentada em alguns congressos pela acadêmica e publicada por completo, o que favoreceu o seu ingresso no doutorado de psicologia cognitiva, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde está no 2º ano de curso, ampliando o seu estudo iniciado no mestrado.

 “Hoje eu posso aprofundar os estudos com esse público, aperfeiçoando os procedimentos de prevenção ao suicídio, porque como sou uma das responsáveis pela ONG Cavida, organização que trabalha este tema, elaborar estas metodologias será sempre relevante” conclui a psicóloga.

Apoio

Se você precisa de ajuda, ou conhece alguém que precisa de ajuda, entre em contato com uma das três organizações em Maceió que contam com treinamento adequado a este atendimento, recebendo telefonemas durantes as 24 horas: o Centro de Valorização da Vida CVV, através do número 188, o Projeto Acolha-me, através dos telefones (82) 9941- 0326, 98891- 0820 e 4101 – 1539.

Já a ONG Cavida tem sede no bairro do Farol, em Maceió e atende pelo 98879-2710. Todas as informações estão em http://www.cavida.org/.