Pesquisadora de gênero e segurança pública explica os fatores de risco às mulheres, e como ter acesso aos mecanismos de denúncia no período da pandemia
Tárcila Cabral
Desde que foi iniciado, o período de isolamento impôs muito mais restrições do que apenas o afastamento social. Emergem novas complexidades de problemas sociais latentes, como a violência contra a mulher.
De acordo com a ONU Mulheres, está em curso um aumento de agressões a mulheres que estão vivendo com o próprio agressor e agora não podem mais facilmente sair de casa para denunciar ou conseguir ajuda.
Atenta aos desdobramentos que envolvem a Covid-19, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) convidou a diretora da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Elaine Pimentel, para dialogar sobre o assunto.
A professora é líder dos grupos de pesquisa CARMIM Feminismo Jurídico, Núcleo de Estudos e Políticas Penitenciárias (NEPP), e vice-líder dos grupos Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas (NEVIAL) e Grupo de Pesquisa Educações em Prisões (GPEP).
A violência velada na pandemia
Ainda de acordo com dados da ONU Mulheres (2018), uma em cada três mulheres no mundo é vítima de algum tipo de violência física ou sexual. A organização afirma que em tempos de pandemia, esses números devem continuar subindo.
As condições que motivam este aumento agora são causadas pelos problemas econômicos enfrentados por muitas famílias que, associados ao confinamento doméstico somam coeficientes favoráveis às agressões.
No entanto, um fato ambíguo se deu no Brasil com base na diminuição de denúncias nos primeiros dias de quarentena. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apurou uma diminuição significativa de Boletins de Ocorrência (BO): 49,1% no Pará, 29,1% no Ceará, 28,6% no Acre e 8,9% São Paulo em países epicentro do vírus, como a Itália, a queda foi de 43%.
Para a pesquisadora Elaine Pimentel estes dados iniciais não refletem a realidade da questão: “A subnotificação é uma realidade, no contexto dos silêncios dos lares mesmo antes do isolamento. Com o isolamento das famílias nos espaços domésticos, as dificuldades de comunicação com a rede de acolhimento são imensas e isso favorece o silenciamento das mulheres em situação de violência”, explica a estudiosa.
A diretora da FDA aborda que a diminuição da notificação não é sinônimo de diminuição da violência: “Na realidade, isso significa que as mulheres não conseguem notificar, diante do fechamento no espaço doméstico com o próprio agressor”.
Muitas vezes a vítima mora numa casa pequena e não tem como realizar a denúncia, e durante a quarentena não consegue sair do contexto familiar para se dirigir a uma delegacia. Este último é outro fator que impossibilita a denúncia, em alguns crimes como, por exemplo, o de lesão corporal, se exige a presença da vítima para efetuar o BO, e tudo acaba limitando o acesso aos mecanismos de denúncia.
Elaine Pimentel pontua que hoje estas vítimas, sobretudo as de baixa renda encontram inúmeras dificuldades para acessar os equipamentos públicos fora do âmbito presencial. “A exclusão digital é uma realidade que resulta da exclusão social. Mulheres em situação de violência, no isolamento social, que não têm acesso às mídias para a denúncia, correm sério risco de morte”, alerta a pesquisadora.
No contexto atual, as mulheres pobres e negras são as maiores vítimas do feminicídio. Segundo a doutora em sociologia, isto ocorre porque a pobreza e a condição racial caminham juntas como fatores de vulnerabilidade das mulheres diante de qualquer tipo de violência, inclusive da violência doméstica.
Dados também da ONU Mulheres para o períodos da pandemia demonstram aumento significativo de notificações em locais como França, 30% e Argentina, 25%, além de aumento já detectável no Canadá, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.
Denúncia e acolhimento: fatores que se integralizam
No Brasil, mesmo após os primeiros índices demonstrarem uma diminuição das notificações de violência doméstica, por outro lado, observou-se um aumento substancial nos casos de feminicídios, em estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, o que reforça a hipótese de subnotificação.
A professora esclarece que a dificuldade de levar as violências sofridas ao conhecimento da rede de acolhimento gera consequentemente o aumento do nível dessa violência sofrida pelas mulheres.
“Assim, não surpreende que os índices de feminicídio tenham aumentado nesse cenário, pois a violência doméstica letal contra as mulheres resulta de um ciclo crescente de atos violentos”, frisa a docente.
Para os especialistas que travam esta luta, o primordial para diminuir os índices de violência é buscar auxílio, seja ele para solicitar amparo da rede de apoio ou para efetuar a denúncia.
Elaine Pimentel informa ainda que as vítimas possuem canais seguros para pedir assistência, ela recomenda o 190 da Polícia Militar, o 180 da Central de Atendimento a Mulher, as Delegacias especializadas no atendimento à mulher, a Defensoria Pública, e as organizações não governamentais como o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM).
Foi a partir de uma divulgação intensa visando um contato e aproximação maior com este público, que houve um aumento das ligações de denúncias feitas no canal ‘Ligue 180’.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos criou o aplicativo ‘Direitos Humanos Brasil’, onde as vítimas podem denunciar a violência doméstica e outros crimes cometidos contra os direitos básicos.
Lembrando que, é sempre possível auxiliar uma vítima próxima a você encorajando-a a denunciar e, se for o caso, acompanhando-a na busca pela rede de acolhimento.