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Pesquisas exploram questões biológicas no comportamento suicida

No mês do Janeiro Branco, a Fapeal traz alguns dados relevantes para a psiquiatria

Tárcila Cabral

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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é uma das principais causas de morte entre adolescentes e adultos jovens (15-29 anos). No entanto as razões para essa alta incidência não são totalmente conhecidas, tendo em vista que o comportamento suicida é de natureza complexa e multifatorial.

Sendo esta uma temática de relevância e que merece a atenção de pesquisas públicas para o seu correto tratamento, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) convidou, para dialogar sobre o assunto no mês da campanha do Janeiro Branco, o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Tiago Andrade. Ele coordena um projeto no Centro de Medicina Circadiana, da Faculdade de Medicina (Famed), e investiga o perfil e a variação das funções biológicas em casos de tendência e comportamento suicida.

O que se sabe atualmente é que existe um componente biológico de susceptibilidade, por exemplo, 90% dos casos de suicídio podem ser atrelados a um diagnóstico psiquiátrico, uma condição previamente estabelecida, que pode se manifestar precocemente”, cita o coordenador do estudo. Além disso, ele explica que existem igualmente os fatores ambientais estressores, físicos e sociais, que podem servir de gatilho para o comportamento suicida.

A pesquisa intitulada “Ritmo circadiano, tomada de decisão e perfil transcriptômico do córtex pré-frontal de camundongos expostos ao aumento gradual de fotoperíodo”, vem sendo desenvolvida com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e conduziu a identificação do perfil territorial e o padrão sazonal do distúrbio no Brasil. O projeto investigou diversas variáveis climáticas e sociodemográficas com o intuito de detectar possíveis moduladores ambientais.

Dentro da na análise duas variáveis mostraram-se particularmente importantes, a primeira é a variação do fotoperíodo ou fotofase, que pode ser definida como a duração da luz em um dia de 24h. Esta variação é maior em regiões de alta sazonalidade, como o Sudeste e Sul do Brasil. Foi apurado, em estudos conduzidos e revisados pelo professor e sua equipe que quanto maior a variação da fotofase, maior a taxa de suicídio no Brasil. Uma hipótese para explicar essa correlação é o efeito que a variação da fotofase exerce no relógio biológico humano. Segundo o pesquisador um aumento da fotofase poderia, em tese, causar um desalinhamento do ritmo biológico em pacientes com susceptibilidade.

Outra questão pontuada no estudo foi a diferença de fuso entre a longitude “natural” e “social”. Tiago Andrade menciona que os municípios do Brasil estão localizados em diferentes fusos meridionais, e que no país eles são 4, pois é um território extenso também na largura. Entretanto, nem todos os municípios estão sincronizados com o seu fuso meridional e estão espalhados dentro do seu fuso de leste a oeste.

Maceió, por exemplo, está mais adiantado porque se encontra mais à leste do seu fuso social, que é ajustado ao horário de Brasília. Por isso costumamos dizer que o sol nasce cedo por aqui. Outros estados possuem municípios mais a oeste do seu fuso meridional. Estão, portanto atrasados”, explicou o doutor em fisiopatologia médica.

Ele completa citando que nos municípios mais a oeste o sol nasce “mais tarde” porque os horários sociais estão sincronizados a um fuso mais a leste do natural. O que se observa é que a taxa de suicídio se correlaciona com essa distância de um fuso natural. Quanto maior a distância, maior a taxa de suicídio. Uma tese abordada pelo pesquisador para explicar esses achados é a privação de sono, que tende a ocorrer com mais facilidade nos cidadãos desses municípios mais a oeste. Enquanto as pessoas do município mais a leste tendem a despertar mais próximo ao nascer do sol, aquelas mais a oeste, estando na mesma hora social, tendem a despertar antes do que deveriam, tendo como referência o ambiente natural. A privação de sono é efetivamente um fator de risco para o comportamento suicida.

Mesmo assim o estudioso ressalta que, apesar dessas duas variáveis não explicarem toda a variação na amostra, elas demostram serem significativas dentre aquelas que foram exploradas. Isso implica também que outros fatores não investigados contribuem para a variação nas taxas de suicídio observada entre os municípios.

O comportamento suicida e a sazonalidade

Num recente artigo produzido pelo grupo para um periódico científico do grupo Elsevier, “As tentativas de suicídio ocorrem com mais frequência na primavera também? Uma revisão sistemática e rítmica” – em tradução livre – é apontado um padrão de comportamento suicida. Neste trabalho, inicialmente foi identificado que as tentativas apresentam um mesmo parâmetro de ocorrência que as mortes por suicídio demonstradas em diferentes populações, seguindo uma distribuição sazonal. Ou seja, ocorrem mais casos de tentativa e de suicídio completo em uma determinada época do ano. “Ao contrário do senso comum, os maiores índices de suicídio não ocorrem no inverno, mas no final da primavera e início do verão, e isso é bastante consistente na literatura mundial”, frisou o estudioso.

O pesquisador cita que a associação naturalmente feita entre suicídio e inverno se deve ao fato de que há realmente mais casos de depressão nesta estação, e depressão é fator de risco para suicídio. Mas, efetivamente, não é o que se observa quando os dados são analisados. Ele reforçou que as taxas de suicídio não somente são maiores no verão, mas também sofrem uma retração na época do inverno. Os dados foram confirmados recentemente com o desenho deste perfil através de um estudo com aproximadamente 100 mil casos de suicídio em mais de 5 mil municípios brasileiros, ao longo de 9 anos de registro. Este artigo já está em fase final para ser publicado.

Andrade explica ainda que nesse contexto, a campanha de “Janeiro Branco” se aproxima mais, do ponto de vista epidemiológico, da época no Brasil em que os esforços para a prevenção do suicídio deveriam ser potencializados, comparado ao “Setembro Amarelo”. “Idealmente, pois campanhas de prevenção devem ocorrer durante todo o ano”, frisa o professor.

Cuidados mentais em período pandêmico

Uma vez que a privação de sono está entre as evidências já disponíveis que apontam para uma relação entre alterações do relógio biológico e a saúde mental, este tema merece atenção especial. A privação de sono promove um desalinhamento do relógio biológico. Portanto, segundo o pesquisador, dispor de uma boa higiene do sono é fundamental para manter o relógio biológico ajustado e evitar o desenvolvimento de transtornos mentais ou agravamento de seus sintomas. “Isso inclui dormir nos horários mais adequados ao seu Cronotipo (matutino ou vespertino), evitar uso de telas à noite, dentre outras orientações”, completa o professor.

Por outro lado, a pandemia da Covid-19 e os seus desdobramentos também trouxeram algumas alterações de hábitos, como ensino e trabalho remotos. Alguns estudos da literatura da área demonstraram que, nos países onde efetivamente ocorreu uma quarentena de isolamento, as pessoas, em geral, passaram a ter um comportamento mais vespertino, acordar e dormir mais tarde. Isso porque, de um lado, não havia a pressão social para se acordar mais cedo e, de outro, porque estando livres de horários definidos, as pessoas prorrogavam o início do sono.

Apesar de todo o estresse físico e mental da pandemia e as repercussões na saúde mental, o estudioso visualiza algumas propostas de mudanças positivas que poderiam emergir dessas novas experiências. Dentre elas, rever ou flexibilizar os horários de início de aulas, nas escolas e faculdade, e de trabalho. Adolescentes e jovens adultos, em especial, são naturalmente mais vespertinos e os que mais sofrem com essas pressões sociais de horário de atividades.

Pesquisa no contexto atual

Os trabalhos do grupo neste momento se voltam a algumas pesquisas com modelos animais para aprofundar a investigação sobre as bases neurobiológicas relacionadas a este perfil epidemiológico. Os resultados preliminares mostram uma alteração do comportamento e da fisiologia no modelo animal que reforçam a hipótese de uma alteração do relógio biológico induzida pela variação da fotofase.

Para conhecer mais detalhes sobre o projeto e os estudos desenvolvidos no Centro de Medicina Circadiana acesse:

https://famed.ufal.br/grupopesquisa/cmc/.

Link do artigo https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0165032715309083?via%3Dihub#!