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Projetos no sistema socioeducativo ampliam horizontes através dos multiletramentos

Estudos de iniciação científica apoiados pela Fapeal levaram oficinas de leitura, escrita e grafite para as unidades de internação

Tárcila Cabral

Como amparar e impactar qualitativamente a área socioeducativa brasileira? Esta, sem dúvidas, é uma pergunta que vem recebendo em Alagoas a atenção e o empenho de estudiosos. Tal temática foi abordada por um grupo de pesquisa apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e conseguiu atender unidades de internação com propostas de leituras e análises.

Vinculados ao curso de Licenciatura em Letras do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), os estudos começaram a ser desenhados em 2016, quando a professora Flávia Karolina conheceu o aluno de Letras, João Torres, que mencionou o seu interesse em desenvolver algum projeto de pesquisa ou extensão na Unidade de Internação Feminina (UIF).

A docente, considerando a proposta instigante, se empenhou em para implementá-la na prática. Mas esta seleção não foi aleatória: João Torres atuava como voluntário na Unidade de Internação Feminina e trabalhava como Educador Social na Unidade de Internação Masculina (UIM).

“Sempre gostei de trabalhar com ações que envolvem problemas sociais. Conversei com a minha amiga e colega de trabalho Rossana Gaia para verificar se ela tinha interesse em coorientar a pesquisa de iniciação científica no sistema socioeducativo. Ela aceitou e desenvolvemos juntas as pesquisas nas Unidades de Internação”, explicou a coordenadora do projeto.

Quando o convite chegou até Rossana Gaia, a professora prontamente aceitou a proposta: “Gosto de desafios e esta pesqisa, particularmente, proposta por um aluno que já tinha experiência como educador social no âmbito do sistema socioeducativo, foi motivadora”.

Bolsistas em congresso acadêmico

Logo, em 2017, para o desenvolvimento do estudo, a coordenadora à frente da proposta conseguiu obter dois projetos aprovados no Programa de Iniciação Científica (Pibic) no Ifal, com duas bolsas da Fapeal. Sendo assim, a estudante Camila Andrade foi convidada a integrar a pesquisa na Unidade de Internação Feminina e o estudante João Torres foi o bolsista escolhido para a Unidade de Internação Masculina.

“Após sete anos trabalhando no sistema socioeducativo como educador social e também voluntário em projetos de capacitação profissional e musical, eu tinha um interesse enorme em contribuir mais com a educação no sistema”, frisou o estudante João Torres.

Já a estudante Camila Andrade, foi selecionada porque fazia parte de um clube de leitura e, tendo isso em vista, foi pensado que ela conseguiria ter um bom diálogo nas rodas de leitura com as adolescentes.

“É importante enfatizar que, mesmo desenvolvendo a pesquisa na UIM, o bolsista João Torres sempre esteve presente nas orientações para que a Camila pudesse entender mais sobre o sistema. Em alguns encontros com as adolescentes ele esteve presente. Os dois bolsistas sempre demonstraram muito interesse, compromisso e ética na pesquisa”, ressaltou Flávia Karolina.

A adesão posterior de Camila foi fundamental para ampliar o raio de ação dos estudos.

Trabalhos desenvolvidos no sistema socioeducativo

Texto produzido nas aulas

Quanto aos conteúdos, as professoras explicam que, durante o Pibic de 2017/2018, na Unidade de Internação Feminina (UIF) o grupo de pesquisa trabalhou a leitura do livro Becos da memória, de Conceição Evaristo, cuja coletânea é composta por relatos dos moradores de uma favela às vésperas de um desfavelamento. A coordenadora observa que, a partir da leitura compartilhada e diálogos sobre a obra, as estudantes tiveram a oportunidade de refletir sobre problemas sociais, que em grande parte estavam relacionados com suas experiências. Após essa etapa, elas escreviam suas memórias.

De acordo com a bolsista Camila Andrade, os procedimentos metodológicos na UIF incluíram etapas para a coleta de produções escritas das internas e aplicação de entrevistas e questionários, além dos diários de campo dos pesquisadores, o que gerou o produto educacional Rodas de Conversa e Escrita. “Os procedimentos metodológicos priorizaram a realização de leitura e produção de textos de natureza qualitativa na modalidade estudo de caso”, completou a aluna.

Já na Unidade de Internação Masculina, nas pesquisas de 2017/2018 e 2018/2019, o grupo se dirigiu primeiro ao local para saber qual gênero textual seria interessante trabalhar com os adolescentes. Neste contexto, foram analisadas inúmeras escritas nas paredes, quase todas fazendo alusão aos times de futebol ou às organizações criminosas. Com base nesse primeiro contato, os estudiosos resolveram, portanto trabalhar com o gênero textual do grafite, com o objetivo de que eles percebessem que podem usar a linguagem para se expressar socialmente.

A pesquisadora Rossana Gaia mencionou que o trabalho na UIM a impactou pela densidade e dificuldades. Portanto, para estimular a participação, ela fez o convite a dois ex-alunos do curso superior tecnológico de Design de Interiores do Ifal, José Fábio dos Santos e Daniel Silva, para organizarem oficinas de desenho livre e cores. Como a pesquisadora já os conhecia, ela sabia que a contribuição poderia atuar de forma consistente, o que de fato ocorreu.

Ressalta-se também que, durante o processo a equipe trabalhou com o grafite dando ênfase na relação texto-imagem e à criticidade: “A nossa proposta inicial era a de que os adolescentes pudessem grafitar uma parede da Unidade, contudo, não foi possível. Sendo assim, os grafites foram produzidos em folhas de desenho”, explicou a coordenadora Flávia Karolina. Como resultado final, o projeto conseguiu que os estudantes produzissem grafites que criticavam a falta de investimento na educação, o desvio de verbas por parte dos políticos e a necessidade de áreas de lazer nas comunidades em que eles vivem.

Apoio e importância de recursos

Produções

Sobre o apoio concedido pela Fapeal à pesquisa a coordenadora alegou ter sido de fato importante, pois possibilitou que os bolsistas se dedicassem ao estudo, visto que, com o dinheiro da bolsa eles conseguiram se deslocar para o local do projeto, comprarem materiais e participarem de eventos acadêmicos. Além disso, os bolsistas também puderam se dedicar à escrita de artigos acadêmicos e conseguiram publicar os resultados de seus estudos em revistas  qualis A2 e B2.

“O investimento em pesquisa é algo que perdura na vida das pessoas e da sociedade, pois muda a forma como percebemos o mundo. Para nós, orientadores e coorientadores, a formação de jovens pesquisadores nos possibilita repassar o muito que recebemos no serviço público: trata-se de uma pequena forma de retribuição social”, mencionou a professora Rossana Gaia.

Os estudos tiveram início em 2016 e término em 2018, mas recentemente, em janeiro de 2022, João Torres pôde concluir seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com uma geração inovadora de proposta textual, na qual relatou seus múltiplos aprendizados no sistema socioeducativo como pesquisador e futuro professor, o que foi somado à sua experiência prévia como educador social.

É importante frisar que, durante a condução dos trabalhos, o grupo contou com apoio e anuência da gestão das Unidades de Internação. As estudiosas também destacaram o amparo do Juizado da Infância da Capital, que sempre autorizou a realização das pesquisas nas Unidades de Internação.

Os trabalhos produzidos pela equipe de pesquisa a partir dos projetos desenvolvidos podem ser conferidos através dos links abaixo:

Revista Imagens da Educação ISSN: 2179-8427 – Qualis A2 em Ensino

Artigo: Ensino do gênero grafite: uma experiência com adolescentes em privação de liberdade

https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ImagensEduc/article/view/44312

Revista Acta. Scientiarum Language and Culture ISSN: 1983-4683 – Qualis A2 em Linguística e Literatura

Artigo: A leitura literária como lugar de liberdade em um ambiente de encarceramento: possibilidade de reflexão sobre problemas sociais

https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciLangCult/article/view/47837

Revista Prática Docente  ISSN – Qualis B2 em Ensino

Artigo: Escrita de Memórias: um exercício de reflexão sobre a vida

https://periodicos.cfs.ifmt.edu.br/periodicos/index.php/rpd/article/view/247