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Desenvolvimento das pesquisas em Alagoas passa pela dedicação de mulheres inspiradoras

Conheça os relatos de pesquisadoras que moldam a pesquisa científica no estado, enfrentando desafios e inspirando gerações

Tárcila Cabral

À medida que nos aproximamos do Dia Internacional da Mulher, é imprescindível não só reconhecer e homenagear as profissionais que moldam o panorama científico alagoano, mas também dar luz aos desafios que ainda persistem. Neste sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) apresenta três histórias inspiradoras de pesquisadoras que representam o passado, o presente e o futuro da pesquisa em Alagoas.

Marília Goulart em seu laboratório

O passado da pesquisa: Marília Goulart

Dispondo de uma trajetória de mais de 50 anos no cenário científico, a professora Marília Goulart se destaca como uma das principais referências na área da Química. Com pós-doutorados em renomadas instituições na Inglaterra e Alemanha, a pesquisadora traz consigo um extenso currículo de realizações. Desde sua distinção como vencedora do Prêmio Jovem Cientista em 1984, até honrarias recentes como o prêmio Mulheres Brasileiras na Química em 2021, toda sua dedicação à pesquisa e à educação a coloca hoje no cume das líderes científicas brasileiras.

Neste contexto, quando perguntada sobre a origem de sua paixão pela pesquisa a estudiosa explicou: “Eu vim de uma família que preza a educação, o conhecimento e o respeito”, enfatizou a acadêmica, cujos pais estudaram na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Sua mãe foi pioneira na área, graduou-se em Farmácia em 1949, inspirando-a desde cedo a seguir os passos acadêmicos. Segundo Goulart, a sua figura materna sempre foi apaixonada pela ciência, mas teve que se dedicar a família. Como herança ela lhes deixou dois dons: o da observação e da curiosidade, que moldaram a família composta hoje principalmente por pesquisadores.

A influência decisiva veio também do ambiente acadêmico no qual ela se inseriu desde cedo. Estudou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde teve acesso a excelentes professores, o de química em especial foi o que alimentou sua sede de conhecimento e a levou a escolher a Farmácia como área de atuação, por ter uma interseção com a Química e a Saúde. E foi durante as aulas no colégio de aplicação que a estudiosa vivenciou o contexto turbulento da ditadura militar. “Nós vivemos aquele momento, estávamos tendo aulas próximo a faculdade de filosofia, que era onde borbulhavam estes assuntos, então tudo isso foi muito importante para a minha formação”, refletiu.

Após esses primeiros encontros no ambiente universitário, a estudiosa aborda que, participar do Programa de Iniciação Científica (Pibic) na UFMG foi de fato o marco de sua trajetória, no qual encontrou apoio e exemplos inspiradores de mulheres atuantes na ciência. O desejo pelo doutorado foi o passo seguinte, porém quando o iniciou em 1976, ela já havia abraçado sua jornada em Maceió lecionando na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Marília Goulart e família

Durante esse período desafiador a cientista contou com o suporte essencial de sua rede de apoio, incluindo a mãe, o esposo e a sogra. Conciliar a docência e os estudos se tornou uma prova de equilíbrio entre a vida familiar e profissional. “Eu o amamentei escrevendo a minha pesquisa de doutorado”, compartilhou Marília sobre seu primeiro filho que hoje é professor da Ufal.

A acadêmica precisou dividir a família durante o período de estudos, com o marido Euzébio Goulart cuidando do filho mais velho em Maceió, enquanto ela estava em Belo Horizonte com o mais novo, ressaltando os sacrifícios e a dedicação mútua do casal. Somente após a sua conclusão seu esposo pôde finalizar seu doutorado e a família conseguiu se reunir por completo em Maceió, revelando o verdadeiro significado de superação e comprometimento.

Atualmente, como professora titular na Ufal, a estudiosa orienta alunos em diversos programas acadêmicos e continua a influenciar a comunidade científica internacional como membro de prestigiadas sociedades e academias. Sua história é um testemunho inspirador do impacto e da excelência que as mulheres alcançam no mundo da ciência, nutrindo um contexto de perseverança e êxito.

O presente do ensino científico: Letícia Anderson

Mudando o foco para um talento do presente, a história da professora Letícia Anderson, se faz atravessada pelo campo da bioquímica e educação. Comemorando agora a sua nova etapa como docente na Ufal iniciada há dois meses, ela reflete todo o preparo e doação que existe por trás da construção de uma pesquisadora mãe.

Letícia Anderson em laboratório

“Eu sempre me vi como educadora e durante a escola a área de ciências começou a me encantar”, explicou a acadêmica. “Tive uma professora excelente desta área e eu lembro muito bem dela ensinando sobre átomos, células, organelas, aquilo começou a me fascinar, a docência e as ciências”, completou ela. Mas o seu contato efetivo com a pesquisa ocorreu somente na 8ª série, quando a sua turma foi convidada a conhecer o laboratório de anatomia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A então aluna visualizou de perto o corpo humano e desbravou um pouco dos aspectos científicos daquele momento.

Bastou aquela experiência e foi suficiente para que Letícia Anderson entendesse que seguiria seus estudos no âmbito da saúde. Assim, ao ingressar na vida acadêmica, a farmacêutica encontrou lá um ambiente inspirador, repleto de pesquisadores e oportunidades de acesso ao conhecimento. Ela diz que apesar de não ter sido fácil construir seu espaço, a sua determinação em conciliar a docência e a pesquisa a levou a buscar um constante aprimoramento, inclusive realizando colaborações com pesquisadores e instituições internacionais.

No entanto, a sua jornada também foi marcada pela maternidade. Como mãe de um bebê de um ano, o Benício, ela enfrenta os desafios adicionais da busca pelo equilíbrio entre suas responsabilidades familiares e profissionais. “Eu tenho um apoio enorme e isso traz um grande diferencial em me permitir ser docente e pesquisadora. Mas apesar de todo esse suporte, dentro do ambiente acadêmico a gente ainda vê inúmeras dificuldades, principalmente para quem tem bebê pequeno e tá retomando o trabalho”, frisou a cientista.

Letícia, o esposo Ênio e o filho Benício

Atualmente a estudiosa tem observado uma mudança de paradigma com a implementação de políticas que visam reduzir a desigualdade de gênero. Medidas que endossam o processo, mas que segundo a professora ainda são ações muito incipientes.

“Observa-se hoje que há políticas pontuais para privilegiar pesquisadoras mães, como em editais de fomento à pesquisa, em alguns concursos públicos, em credenciamentos de programas de pós-graduação ou mesmo na avaliação de progressão de uma carreira docente”, apontou Anderson. Contudo, a acadêmica reflete que mesmo trilhando este norte, é importante destacar que as iniciativas ainda são limitadas e precisam ser ampliadas para proporcionar um apoio mais efetivo a estas profissionais.

Por enxergar todo este cenário, além de sua contribuição como pesquisadora e docente, hoje, a professora reconhece um papel fundamental que é necessário desempenhar: o de educadora, inspirando e orientando outras meninas e mulheres em suas trajetórias científicas.

“Minha função é de tentar inspirar novas carreiras também, tenho uma responsabilidade um pouco de mentoria em relação à jornadas acadêmicas de mulheres para que a médio e longo prazo, a gente tenha cada vez mais uma geração de pesquisadoras com alta produtividade nesse ambiente acadêmico em diferentes áreas e contextos”, completou ela.

Consciente dos obstáculos enfrentados pelas mulheres na ciência, a pesquisadora busca por medidas inclusivas e trava discussões por políticas ativas para as futuras gerações. Ela reforça, sobretudo seu compromisso não apenas com o avanço científico, mas também com a promoção da igualdade de gênero no meio acadêmico.

A pesquisadora Fernanda Souza

O futuro inspirador da academia: Fernanda Souza

Seguindo para um contexto recente da maternidade, emerge Fernanda Souza, jovem doutora e recém-mãe, que acaba de retornar ao Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal após a sua licença-maternidade. A cientista traz consigo não apenas sua expertise científica, mas também uma valiosa perspectiva sobre os desafios enfrentados pelas mulheres na academia. Sua contribuição atual nos diálogos acadêmicos não só enriquece a compreensão da fisiopatologia, mas também destaca a importância de promover um ambiente inclusivo e apoiar mães pesquisadoras.

A acadêmica inicia o diálogo relembrando do momento em que se encontrou no fazer científico durante um congresso em Minas Gerais: “A minha orientadora de iniciação científica protagonizou uma discussão enriquecedora com base em sólidos argumentos científicos. Então o evento foi determinante para eu decidir seguir estes passos e me dedicar à pesquisa”, explicou a bióloga.

Ao abordar as referências acadêmicas que a levaram até esse lugar, Fernanda Souza destaca a influência das professoras Janira e Cláudia, ambas da área de parasitologia: “Elas foram fundamentais para a minha decisão de ingressar na pesquisa científica e continuar no meio acadêmico, especialmente ao demonstrarem como conciliar dedicação à carreira científica com a maternidade”, complementou.

Esse contexto da experiência foi muito importante para a estudiosa inclusive na descoberta de sua própria maternidade no início do pós-doutorado, momento em que ela teve receio de conseguir executar as suas atividades: “Inicialmente, senti certo medo pelas alterações fisiológicas comprovadas na gravidez e como isso poderia afetar minha produtividade”, contou. No entanto, ela recebeu um grande acolhimento por parte do seu supervisor e da equipe de pesquisa, que proporcionaram flexibilidade em sua rotina experimental e de reuniões. Esse apoio permitiu que sua gestação fosse saudável e que ela continuasse contribuindo ativamente durante esse período.

Por outro lado, a profissional frisou que esta não é uma realidade para muitas cientistas. É que, apesar dos avanços nos últimos anos, o Brasil ainda está em estágios iniciais no que diz respeito ao apoio à maternidade no meio acadêmico. “Iniciativas como a inclusão da licença-maternidade no currículo Lattes e o programa Mulheres na Ciência do CNPq são importantes, mas é necessário maior conscientização e implementação de políticas públicas para garantir equidade de gênero e suporte adequado às pesquisadoras mães”, ressaltou a jovem doutora.

Fernanda Souza e sua filha

Abordando diretamente o período materno dentro de parâmetros científicos, a pesquisadora argumenta sobre as questões fisiológicas e os direitos das profissionais. A bióloga enfatiza a importância de medidas de amparo. “Artigos comprovam diversas alterações durante a gestação e o pós-parto, incluindo diminuição do cérebro e mudanças na conectividade neuronal das mães. É fundamental reconhecer isso e garantir apoio nos ambientes acadêmicos para que as cientistas possam continuar contribuindo”, completou ela.

Diante dessas reflexões, Fernanda finalizou pontuando acerca da importância de se promover na universidade a flexibilidade dos contextos de trabalho. Com sua determinação e experiência, a doutora se destaca como mais um exemplo da nova geração que entende a multiplicidade dos contextos de ser pesquisadores no Brasil, somando-se assim a luta de diversas profissionais que partilham da demanda por ambientes inclusivos e apoiadores para as mães deste país.